Não posso sujeitar-me à triste ideia
que de luto me inunda o coração.
Vou passar a viver na escuridão
que duramente a alma me lanceia.
Porquê deixares a tua bela aldeia ,
beijada pelas brisas do Marão,
onde brincaste, ó flor, ainda em botão,
longe do mundo que nos estonteia?
Não vás. Não queiras ir para longe!
Não me queiras fazer um pobre monge
mergulhado em sombria soledade !
Ó não fujas, sol a despontar,
com teu sorrir de graça a suavizar
o mundo em que eu já vivo com saudade.
1933
SAUDADES
Há quanto tempo os tristes olhos meus
já vivem sem te ver, ó formosura!
Estes meus olhos tristes são dois céus
onde o sol desses teus já não fulgura.
Desde essa tarde em que te disse adeus,
jamais tive prazer, doce ventura.
Mas tua imagem linda, essa quis Deus
que ficasse em meu peito com brandura.
Que penas têm sofrido estes meus olhos!
Ao zéfiro que passa a suspirar
confio que suavize os meus abrolhos.
Tu resumes, rainha das beldades,
um doce bem a que se quer chegar:
anseios de te ver que são saudades.
1934
TALVEZ
Talvez, talvez que a tua alma agora,
ainda que de orgulho recalcada,
escute, lá no fundo, a voz magoada...
aquela mesma voz que ouviste outrora.
Eu sei que a tua alma sofre e chora
(se bem que de alegria disfarçada)
ao recordar aquela madrugada
em que te disse amor como quem ora.
Por mais que dissimules, o teu rosto
terá sempre a tristeza de um Sol Posto
que banha as coisas de melancolia.
A dor que no teu peito se condensa
só tu é que a fizeste, nessa ofensa
que fez triste, tão triste, aquele dia.
1945
CARTA DE AMOR
Carta de amor que um dia se escreveu
de rosto iluminado e mão tremente,
na idade juvenil e sorridente,
que é dela? Pra onde foi? Já se perdeu...
Carta de amor quem foi que a recebeu?
Que é do peito amoroso e em dor ardente
que ao coração a aperta, loucamente,
e um beijo de paixão logo lhe deu?
Carta de amor... já folha pelo ar
sem brilho e sem frescura: ressequida,
à luz dum sol de Outono a desmaiar!...
Carta de amor por longe, assim, perdida...
Mas basta pensar nela, recordar...
e essa carta de amor volta a ter vida.
1948
ETERNA PRESENÇA
(a Arliza)
Há poucos dias ainda te deixei
e uma eternidade já parece!
Esta grande saudade em que fiquei
da minha alma jamais se desvanece.
Quem uma vez te viu e te conhece
da eterna simpatia sente a lei.
Tu és suave aurora que amanhece,
de cuja luz, amor, me enamorei.
Esses teus olhos cheios de magia
ungiram-me de sonhos e poesia
e queimaram meu peito de ansiedade.
Hei de viver assim eternamente,
pois que o meu coração te vê e sente
E és presença viva de saudade.
1937
PARA ARLIZA
De pensamento em ti, perdidamente,
escrevi os pobres versos que ai vão;
versos que são a voz de alguém que sente
um infinito amor, uma paixão.
Que prémio deles quero? Este somente:
(este, somente, amor, esta ambição)
que no teu peito casto, alvinitente ,
arda por mim um pouco de afeição.
De pensamento em ti...(o pensamento,
que jamais te esqueceu um só momento,
desde a hora bendita em que te vi.),
compus este livrinho, que vais ler;
que por ele, amor, tu possas ver
um coração, em chama, a arder por ti.
1937
O MEU LAMENTO
Se me lamento assim, Senhora minha,
é porque no meu triste coração
nasceu a meiga flor duma afeição
que o nome tem de Amor, que nos espinha.
Alma gentil, minha alma se definha
neste anseio cruel; na inquietação
de não saber se a minha adoração
alcança o vosso olhar que me mantinha.
Sem vós eu sou qual triste navegante
que sobre o oceano anda errante,
na ânsia de achar porto seguro.
Lançai, pra mim, Senhora, os vossos olhos.
E que esta dor, que é um mar cheio de escolhos,
seja uma luz rasgando o meu futuro!
1938
~
JAMAIS
Jamais posso esquecer, mulher querida,
esse olhar de esperança que me deste;
tinhas nele tal magia que fizeste
rasgar na minha alma uma ferida,
na qual - doce mulher, dos céus descida -
arde um fogo que um dia aqui puseste.
Se foste tu, mulher, que assim quiseste
não me negues esse olhar que me deu vida.
Viver a doce esperança de ser teu
é para mim uma ventura imensa,
é ver rasgar da noite o negro véu.
Não mates este amor e adoração;
na noite que em meu peito se condensa,
Seja um raio rompendo a escuridão.
1938
PERFIL
Como eu recordo o teu perfil moreno
onde brilha um sorriso encantador;
pela constância, então, vejo que peno
de saudades por ti, ó meu amor.
Outro não vejo, assim, nem mais ameno
como esse teu, o minha leda flor!
É puro como um céu azul sereno,
onde giram mil sóis de resplendor.
Os seres angelicais cheios de luz,
não gozam de um perfil assim tão puro
como esse teu, morena, que seduz.
O teu perfil eu quero-o sempre ver,
seja um luar no meu caminho escuro,
seja sol de Verão, no céu a arder.
1938
PERDÃO
Meu amor e minha fantasia,
lindo sonho azul que edifiquei,
não negues à minha alma essa alegria
que eu vi nos olhos teus quando os fitei.
Esquece, ó meu amor, o triste dia
em que, sem querer, te molestei!
Confesso o meu pecado; como eu queria
reparar tanto mal que te causei!
Ó minha flor, ó minha flor tão pura,
escuta e ouve, amor, esta amargura,
que chora e grita, amor, no coração!
A teus pés de joelhos, mãos erguidas,
com lágrimas nas faces bem sentidas:
Perdão, perdão, amor, perdão, perdão!...
Paços de Ferreira, Set 1943
TU ÉS
Tu és aquela doce e boa amiga
que se venera e nunca mais se esquece;
e a quem me liga uma afeição antiga,
mimosa antiga que em jardim floresce.
Tu és um sonho ledo que se tece,
por mais que a desventura nos persiga;
se às vezes o meu dia se escurece
o teu dia me basta , cara amiga.
Tua amizade , sim, eis a riqueza
maior que eu posso ter nesta incerteza
que mergulha minha alma em escuridão.
Ai como é bom, muito distante embora,
ter alguém que em nós pensa a toda a hora
e acalenta junto ao coração
1944
Porquê
Porquê? Porquê mulher, qual a razão
do meu saudoso e amargo palpitar?
Não morreste para mim doce ilusão,
de tudo quanto fiz pra te olvidar.
Imperioso saber! Quero encontrar
a origem desta estranha evocação.
Eu quero ler em mim e decifrar
que segredos me vão no coração.
Pode lá ser, mulher, (há tanto, tanto...)
Sentir ainda a força desse encanto
que outrora me deu prazer e dor?
O tempo tudo esvai. Mas num momento
podem nascer do esquecimento
as cinzas dum antigo e grande amor.
1944
CARTAS
Li as cartas que um dia me escreveste
e que doçura -amarga elas me dão.
Quanto da alma nelas tu puseste.
Quanto fervor, cuidado e devoção!
Essas cartas que em tempos me escreveste
(ó mundo de saudosa evocação)
são cinzas, já, dos sonhos que teceste
outrora, quando tinhas coração.
Tuas cartas, como aves a voar,
Pousaram em minha mão, com suavidade,
trazendo teu coração a palpitar.
Lê, meu amor, as minhas, tu também.
E relembra o passado, na saudade,
desse amor que nos deu tão doce bem.
1944
AMOR
Não corro o mundo num desejo imenso
de glórias; de triunfos; de troféus.
Debaixo de outros sóis e doutros céus
num único desejo me condenso.
E nele medito e quedo-me suspenso;
e tento penetrar, em esconsos meus;
mas vejo tudo envolto em densos véus
e não sei o que sinto e o que penso.
Que coisa é essa então em que medito?
É a febre de ser grande, em alto grito
transcender a própria eternidade?
Este desejo é coisa pequenina,
(são quatro letras só) mas tão divina:
Amor, Amor: inferno e claridade!
Penafiel, 1947
VINGANÇA
Forçoso é, Senhora, que eu vos queira-
embora vós a mim me não queirais-
se assim arde no peito esta fogueira
que queima tanto mais se me apartais.
Forçosa é que seja esta a maneira
de ver o vosso olhar, com que matais,
se nele sinto a chama verdadeira
que me transporta a altos ideais.
Forçoso é que se trave guerra acesa,
em meu ser, contra mim, com a certeza
de perder sempre os loiros da vitória.
Forçoso é que eu, em vós, haja morrido:
E seja a minha glória de vencido,
guardar-vos, por vingança, na memória.
1954
CONTRADIÇÃO
Sujeito estou, Senhora, à dura sorte
que me vem desse olhar, com que matais;
em meu peito, Senhora, incendiais
o lume dum querer que traz a morte.
E tudo vem e morre sem jamais
se achar aquela linha clara e forte,
que nos traz a esperança e nos conforte
e leve a luz às trevas abismais.
Senhora, o vosso olhar tem tal poder,
tal graça, sortilégio e simpatia,
que a gente dum não querer volta ao querer.
E neste sim e não se anda à porfia,
sem nada de seguro ter ou ver,
daquilo que melhor nos conviria.
1954
COMO EU TE VEJO
Aquele olhar que há dias me lançaste,
olhar furtivo, sim, mas penetrante,
seria o brilho dum clarão radiante?
Seria a voz dum sonho que embalaste?
Aquele olhar que há tempos me deitaste
jamais o esquecerei. Perto ou distante
que vá de ti, por esse mundo adiante,
segue comigo a Dor porque me olhaste.
Eu sofro, agora, o mal duma incerteza,
que enche de mágoa e de tristeza
os olhos meus que só te querem ver.
E quando não, ressurge a tua imagem
nas tintas matinais desta paisagem
e na saudosa luz do entardecer.
1954
ALMA LOUCA!
Por acaso fortuito eu vi um dia
a mulher que em visões ainda aparece
aos olhos meus; aos quais ela sorria
como o dobrão do sol quando amanhece.
Mas vê-la nunca mais! Desaparece
do plácido trilho que eu seguia.
E desde então meu coração escurece,
numa noite de dor triste e sombria.
Não verei eu jamais a criatura
de quem minha alma louca anda à procura;
por quem louca de amor, em ânsias, chama?
Nunca mais! Nunca! Minha alma louca!
Nem lhe dirás, de coração na boca:
Enfim, enfim, eis a mulher que amo?
1937
AMOR
Amor é sentimento que nos traz
consolo e ansiedade ao coração.
É beijo de prazer, ninho de paz,
brisa que nos eleva à perfeição.
Manhã de Abril risonha que nos faz
a vida mais suave. É ambição
que põe a alma em luta contumaz
e também em contínua inquietação.
Chama que põe o coração em brasa;
Primavera florindo; sonho e asa,
num êxtase entoando uma canção.
Caminho que ao céu leva e onde existe
a ventura suprema; ou -muito triste -
ao inferno, sem esperança e remissão!
AI, MEU AMOR
Ai meu amor, ai que melancolia,
eu sinto ainda por me teres deixado!
Foste tu, meu amor, toda a alegria
dum pobre coração apaixonado.
Onde esse sonho lindo e sublimado
que me fez exaltar a fantasia?
Desfez-se como fumo à ventania
deixando este meu peito desolado.
Nesse sonho subimos às alturas
até onde pode ir o pensamento
dum romance de amor e de paixão.
Mas a fortuna má de asa escuras
o nosso sonho mata; e num momento:
silêncio e solidão! Só solidão.
Vila Meã, 1991
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