PARTIDA
Aproxima-se a hora da largada;
não tarda, pois, o lance da partida.
Como vai ser saudosa esta abalada!
E como vai ser triste a despedida!
A vossa mocidade divertida
toda beleza e amor, na debandada,
vai-me deixar a alma anoitecida,
numa saudade enorme, eternizada.
Viestes de mui longe a esta terra,
para cumprir a lei que o Deus da guerra
impõe a todo jovem português.
Parti, parti! Mas nunca mais vos esqueça
esse sorriso de oiro e de promessa
que o cego amor vos deu alguma vez.
Penafiel, Outono 1941
MEMÓRIAS
Ó vós memórias, que me estais cercando
e me levais distante já de mim!
Que é dessa rica torre de marfim
onde eu vivi, onde eu gozei sonhando?
Ó memórias que eu sinto em mim falando,
numa fala macia de cetim!
Falai da minha infância; do querubim
que Deus criou tão ledo e brando.
Ó memórias tão gratas à minha alma,
Fazei com que regresse à antiga calma
e seja o que já fui, por uns momentos...
Que a vida do presente que hoje tenho
é para mim, meu Deus, pesado lenho
que me envenena e seca o pensamento.
18 de Maio 1981
ILUSÕES
Ó torres a tombar, ó torres minhas!
Filhas da alma que tanto acalentei!
Jamais pousam em vós as andorinhas:
as ilusões e sombras que criei.
Subi às altas torres que eram minhas
em arroubos de fé que alimentei.
Mas as sombras das ledas avezinhas
nas torres a tombar só divisei.
Ai torres já tombadas - vis tristezas -
em ruínas, agora, pelo chão
de coisas em que pus tantas grandezas!
Tombai, tombai, caí no coração;
e sede, na minha alma, bem acesas,
o sangue dos meus versos de eleição.
1950
INFANCIA
O menino que fui e já não sou,
Vejo-o nesses caminhos a brincar.
Sinto todo o meu ser ressuscitar
o tempo que passou em veloz voo.
Os ares da Livração são ares que eu vou
a cada passo, ali, pra os aspirar:
e entrando em mim me fazem regressar
aos dias em que Deus em mim andou.
Caminhos que eu pisei pra Livração,
sinto-vos, dentro em mim, no coração:
sois o melhor que eu tenho, na existência.
Eu era um passarito que voava,
num mundo todo azul que me encantava,
Todo ele pureza e inocência!
12 Março 1980
CONFISSÃO
Confio ao papel branco imaculado
os ais deste meu ser saudoso e triste;
à minha alma exilada só lhe assiste
a pena desse tempo evaporado.
À saudade ninguém ninguém resiste;
anda comigo desde que sou nado.
E é um largo cemitério o meu passado
que hoje revivo porque não me assiste.
Que é da flor que alegrou a minha alma
enchendo-a de perfume e doce calma
e lhe mostrava o Reino da Ilusão?
Saudades de castelos derruídos
que jamais voltarão a ser erguidos...
Que é de tanta ruína, ó coração?
Porto, SetEMBRO 1936
ESPELHO
Num espelho me vejo projectado,
em tudo quanto fui, quanto vivi.
Sim! Morto sou; no espelho ressurgi
e dum estado passei a outro estado.
Vejo tudo o que foi do meu agrado;
vejo também o mal que padeci:
um enlevo de amor que é já passado
neste fluir do Tempo, e que perdi.
Tudo vejo no espelho por magia!
E que saudade, então, de mim se apossa
de tudo o que gozei num ledo dia!
O sol se apagou já, tristeza nossa!
Morreu com ele a alma da alegria:
sou, hoje, um espelho que de mim faz troça.
11 e 12 NovEMBRO 1982
Rapaz
No decorrer da vida eu volto atrás
e neste recuar eu quero ter
o meu passado e voltar a ser
o que já fui na vida de rapaz:
o papagaio, a gaita, o meu pião,
meu arco, a rodar estrada adiante,;
o pássaro que roubei ao céu brilhante:
a liberdade pura em minha mão;
a aula, o professor, a tabuada
(matéria que para nós era um pavor)
e uns olhos...sim... da terna namorada;
depois ter o recreio! Ai que algazarra!...
Ah Primavera, em nós, aberta em flor!
Ah meu Verão, no canto da cigarra!
20 Fevereiro 1977
LONGE DA TERRA
Longe da Terra que nos viu nascer;
longe do claro sol que nos beijou;
longe da água que nos baptizou,
pelas rochas da serras a escorrer;
dos caminhos da aldeia, onde a correr,
nesses tempos de infância se brincou,
como a ave que vai livre num voo,
em céu azul de Abril a amanhecer.
Longe de tudo aquilo quanto se ama,
que fala ao coração e que nos chama
e nos acena em gestos de amizade;
tudo isso, Senhor, tudo se sente
e vê por esse prisma transparente:
O prisma agridoce da saudade.
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