(Nota do A: «o meu primeiro soneto»)
Sonhei-me numa ilha flutuante
Matizada de esplêndida verdura;
De arquitectura rica e deslumbrante;
De esplendoros sóis da luz mais pura.
Mulheres de formosura fascinante,
Nessa ilha ideal, punham ventura;
Por quem meu coração, em breve instante,
Por todas se apaixona. Vã loucura.
Cingindo véus de linho, essas visões
Passavam, junto a mim, quais procissões
De deusas e de virgens vaporosas.
Mas nisto os olhos abro e então reparo
No mundo das paixões e ódio ignaro,
Nas mágoas e tristezas dolorosas.
1937
QUANTO
Quanto amor em ódio convertido!
E quanta luz em treva transformada;
e quanta vida quanta esfarrapada.
E quanto corpo vivo apodrecido.
Quanta tragédia esconde uma risada;
quanta dor num abraço divertido;
E quanto coração empedernido.
E quantos homems que não valem nada.
Quantas palavras, quantas, que são vento;
e quanta preversão no pensamento;
quanta alegria a disfarçar tristeza.
Quanta dor se faz pra enriquecer.
Quanta justiça ainda por fazer.
E quantos passam fome de beleza.
Vila Meã, Setembro de 1990
OS MEUS ANOS
Fiz já oitenta rasas, bem medidas,
em certo dia que já vai além;
se fazê-los é mal, também é bem:
são provas e são graças recebidas.
Ver as horas da Vida bem vividas,
sem ofender ou molestar alguém,
é já cumprir a lei de Deus, a quem
devemos o que somos nestas lidas.
Parecem sonho os anos que já conto!
Como é fugaz a vida (e neste ponto
eu fico longo tempo a meditar...)
Enche um bercinho uma criança loira;
mas o tempo volvendo em dobadoira
põe, junto deste, o berço tumular.
Vila Meã, Março de 1990
NÃO CHOREIS
Quando eu partir, metido num caixão,
ah, não choreis por mim, antes rezai.
Tem muito mais valor uma oração
que mil prantos e gritos, por quem vai.
Ah, não choreis por mim. É tempo vão.
Esse tempo melhor o empregai,
lembrando-vos de mim com devoção
para que a minha alma suba ao Pai.
Àquele que nos criou só por Amor,
sem de nós precisar; eis o valor.
Da bondade de Deus que nos deu vida.
Rezai, pois. Não choreis. Não vale a pena.
Esta vida é tão curta e tão pequena:
breve sereis na última jazida.
Vila Meã, 1991
CEGUEIRA
Na guerra, o inocente é quem padece
a loucura dos homens desvairados.
Os seus fomentadores, bem regalados,
riem-se à dor que mata e que enlouquece.
A guerra é esse monstro que enfurece,
que fere, com sanha vil, mil desgraçados,
e que sem culpa ter são arrasados
pelo seu peso brutal que não decresce.
A vaidade, a ambição, a estupidez
quis pôr o mundo em fogo, outra vez,
para subir a tronos imperiais.
Mas não se lembram eles -que cegueira!-
que depois duma glória passageira
acaba tudo em cinza e... nada mais.
POETA ENTRE POETAS
Em terra à beira mar tu foste embora,
meu bom amigo, poeta entre poetas;
mau fado te feriu com duras setas,
que o mau fado não falha em sua hora.
Voaste amigo, para além da Aurora,
onde goivos não há nem violetas.
Descansas, hoje, nas mansões dilectas
dos anjos e da paz imorredoira.
Teu peito triste chora nos teus versos,
sumidos pelo vento: ecos dispersos
tão poucos lhe conhecem seu encanto.
Vieste a este mundo antes do Tempo;
má estrela te beijou. Noutro momento,
bem alto subirias por teu canto.
Santa Cruz do Bispo, Março de 1991
CENA PASTORIL
Era em Abril. Um céu cheio de luz.
Nas verdes frondes, pássaros noivavam.
Arroios solitários murmuravam,
como quem leva o peso duma cruz.
Zagalinha gentil anda no monte,
guardando o seu rebanho obediente.
Naquela vida ingénua anda contente;
Não busca, além daquele, outro horizonte.
A sua voz de cisne solta um canto
cheio de melodias -um encanto -
em que não arde o lume dum desejo.
Um pastorzito ouvindo a zagalinha,
atraído por ela, se avizinha
e sem que ela dê fé, furta-lhe um beijo.
1938
SINFONIA VERDE
Ó Primavera! ó Sinfonia Verde,
Que aqueces o meu sangue e a fantasia...
És um poema pleno de alegria
Que sobe ao céu e na amplidão se perde.
A natureza é um canto de harmonia
Que se levanta da paisagem verde.
Nela vai a minh´ alma que se perde
Nessa gama de tintas tão macia.
Oh almas que vivestes até agora
Refechadas no peito, saltai fora!
Vinde sorver o cheiro dessa flor.
Oh lábios meus de carne e de desejo,
Não recuseis a música de um beijo
À jovem Natureza e Mãe da Cor.
TRIGO
Oh trigo, que o tisnado lavrador
semeia com as suas mãos amigas;
com as bênçãos de Deus darás espigas
-poema de canseira e quanto amor!
No ardor do estio, ledas raparigas,
de foice em punho e riso aberto em flor,
lá vão ceifando a messe do Senhor
enchendo o ar de límpidas cantigas.
Depois na eira, os feros manguais
tiram os grãos às loiras espiguinhas
com os seus golpes fortes e brutais.
Trigo! Serás depois no Altar Divino,
no Pão da Eucaristia hóstia branquinha,
o Corpo e sangue e alma de Jesus
1943
LÍNGUA DA CAMÕES
Bendita sejas, Língua de Camões.
Bendita sejas, Língua portuguesa!
Mimosa flor de graça e de beleza
cujo aroma embriaga os corações.
Brilham , no céu, estrelas aos milhões
com toda a majestática grandeza:
mas não brilham, nem têm maior riqueza,
que tu, oh Mãe, de estranhas emoções...
Oh língua de Camões, tão sublimada,
teus doces sons - que lira divinal -
deixam a nossa alma deslumbrada.
Oh Língua de Camões, Língua imortal
que aos abismos do mar impera e brada:
-Mais além, mais além, sou Portugal.
1943
PORTUGAL
Oh noites de guitarras ao luar!
Oh noites de folgança e de beleza!
Vós sois plenas de encanto e de beleza!
Vós sois mil corações a palpitar.
Um rouxinol, num bosque, vem cantar
melodias de sonho e de tristeza.
E um desejo de amor, todo pureza,
vem-se aos corações insinuar.
Cascatas com altares ao S. João...
e folga a mocidade, em vibração,
em tantos peitos de oiro e de cristal.
Oh noites de perfume e claridade!
Oh noites de poesia e de saudade!
Noites assim somente em Portugal.
SINO DE OIRO
Quem não ouve essa voz de um sino de ouro,
em doces sinfonias e promessas?
No profundo das almas mais recessas
tem esse sino o brilho de um tesouro.
Ventura e felicidade sem agouro
(como outras não há mais belas que essas)
qual de um ourives as mais ricas peças,
a fascinar os olhos de um rei mouro.
E o sino toca, toca, doidamente;
toca sem descansar, vibrantemente,
com uma força estranha...que magia!
Nunca deixes, ó sino, de tocar
dentro do coração e anunciar
o prometido sol de um novo dia.
QUANTO CORAÇÃO SEM HORIZONTES
Pisei a luz do sol na folha verde,
que o vendaval pra longe arremessou.
Quanta beleza neste chão se perde!
E quanto sol que nunca esplendurou!
E quanta flor que ainda não abriu!
E quanta noite ainda sem aurora!
E quanto rosto que ainda não sorriu!
E quanto olhar que sofre, mas não chora!
Quanto ódio que dantes foi amor!
E quanto luz em noites convertida!
E quanta sede ardente sem ter fontes!
Quanta estrela velada, em seu fulgor!
Quanta ideia de paz que foi traída!
E quanto coração sem horizontes!
1966
TRIUNFO
Acorda estremunhada a Natureza.
Esplende o sol, num puro céu de anil.
Os campos são tapetes de beleza;
cantam os melros na manhã de Abril.
Anda no ar um bálsamo subtil.
A brisa vai correndo com leveza.
Pressentem o calor insectos mil:
zunem movendo as asas com destreza.
As árvores pujantes de verdura
consolam as almas de frescura,
convidam a dormir a bela sesta.
É o triunfo da vida sobre a morte;
energia, optimismo e sangue forte
nas veias a girar tal uma festa.
1954
O NOVO DIA
Nevoeiro pairando sobre os montes!...
Ó luz do dia baça e tão tristonha!...
A alma se concentra e sonha, sonha!...
E chora e geme como as claras fontes.
Horizontes não há: só nevoeiro...
e triste, triste a alma se comprime.
Ó denso nevoeiro, tens do crime,
o seu aspecto escuro e traiçoeiro!...
Mas para além de ti, ó nevoeiro,
eu vislumbro, nos céus, estranho luzeiro
de promessas de amor e de alegria.
Tua alma de mágoa e de tristeza
encerra, ó nevoeiro, essa beleza
dum Mundo Novo que há de vir um dia.
17 de Fevereiro de 1958
A FESTA DA SENHORA
A Festa da Senhora é lá no cume
da montanha coberta de arvoredos,
onde rolinhas cantam seus segredos,
segredinhos de amor, talvez, com lume.
No primeiro Domingo e mês de Agosto,
é que esta festa antiga se celebra;
na sua pompa não se nota quebra
desde manhã cedinho até Sol-Posto.
No adro que circunda a capelinha,
desde o nascer do sol ate noitinha,
andam moças e moços a dançar.
E em cima dum rochedo, aconchegados,
um par de lindos jovens namorados
gizam, à luz de Deus, um novo lar.
28 de Agosto de 1981
A GRANDE FONTE
Viver esta beleza, esta pujança
que nos anima e cobre de alegria,
é receber em haustos a Poesia,
Em Hossanas de Amor e de Esperança.
É termos o prazer de uma harmonia
- duma harmonia só que se não cansa -
formando em nosso ser uma aliança
com esta bela verde sinfonia.
A natureza é fonte esplendorosa
de sangue para os corpos combalidos,
e força já para as almas já sem luz.
É rapariga fresca e donairosa,
que nos cativa todos os sentidos
numa sede de amor que nos seduz.
REZA DAS FONTES
Campeia o Sol na curva azul safira;
refulge a luz, na altura, quase a pino.
O Astro é oiro do mais puro e fino,
num templo pagão ardendo em pira.
Dança -de mil insectos- que delira;
além no campanário a voz do sino,
num toque compassado e cristalino.
E a brisa a deslizar tem sons de lira.
Ocultos na verdura, ouvem-se grilos
animando a paisagem com seus trilos,
anunciando intensa calmaria.
Por valados, por montes, por devesas ,
fontes a murmurar, erguendo rezas
em louvor desta estranha sinfonia.
PRIMAVERA
Que luxuosa e fina a Primavera!
Águas cantando descem lá dos montes;
Límpidos céus que rasgam horizontes;
Aves que voam, pelo azul da esfera;
Mariposas, aos ss : a quimera
que para os sonhos nos levanta as frontes
e, a beber, nos leva a outras fontes,
daquela linfa que jamais se altera.
Canções melodiosas...cor e encanto;
luz a jorros dourando a Natureza,
alegria e esplendor de canto a canto.
A noite cai em benção de pureza.
E a brisa leve, leve, num quebranto,
é voz de Deus no sopro de uma reza.
1965
ESTIO
Reina o Estio com pompas e grandeza;
campeia o sol com quanta majestade!
No firmamento é tudo claridade.
E a Terra tem donaires de princesa.
E que mimos de graça e gentileza!
Que perfumes! Meiguice e claridade!
Que riqueza de cor; que suavidade,
à tardinha, na Madre Natureza.
Louvado seja o Verão, louvado seja!
O sol é um lampadário de uma Igreja
que acolhe a todos nós sem restrição.
Num dia de Verão quero morrer,
à hora em que o sol vai adormecer,
pra me levar com ele no coração.
21 de Maio 1979
BENDITA SEJAS
Bendito sejas, monte desta Terra,
-Terra que nos criou e é nosas mãe-
doirado pelo sol que vem da serra,
beijado pela lua lá do Além.
Por entre os teus pinhais minha alma erra
-minha alma a sonhar sente-se bem-
e sobe para Deus em paz, sem guerra,
e à sua Virgem Mãe reza também.
Oh Monte mariano donde a vista
se espraia por bem longe , e então avista
um vasto panorama que fascina.
Oh Senhora do Monte, Oh padroeira,
a nossa e tua Terra prazenteira
enche-a de amor, de graça e luz divina.
Agosto, 1990
PORTO
Porto, nobre cidade e hospitaleira,
onde a gente se encontra sempre bem;
a tua alma nobre e prazenteira
é conhecida , pelo mundo além.
Em todo o Portugal não há ninguém
que já te não conheça; ó urbe ordeira,
banhada pelo Douro que te vem
beijar os pés, no fundo da Ribeira.
Ah Porto! Ah Nobre e altíssima cidade,
em que o grito imortal da liberdade,
pra bem de Portugal, em ti soou.
Eu te saúdo. E sinto no meu peito
profundo sentimento de respeito
por quem a tanta glória te elevou.
Porto, 16 de Maio, 1988
CÂNTICO DA COR
Mil chilreios com asas a voar;
borboletas, de cores, as mais bizarras;
os cravos mais as rosas são guitarras
em harpejos de aromas pelo ar.
A Madre Natureza é um regalo,
um beijo mui fecundo de promessa.
Pela tarde, no espaço, se arremessa
o có-ró-có metálico dum galo.
Seara, grata à brisa, ondeando
prenhe de pão; prós homens, que sonhando,
nela têm o sangue e o seu suor.
Tudo respira, paz, saúde e vida;
e a natureza inteira, ressurgida,
ergue o poema sinfónico da cor.
SONHO
Os sonhos do futuro são esperanças;
os sonhos do Passado são saudades;
os sonhos que virão...são só lembranças
que podem ser ou não realidades.
No teu volver, ó tempo, não descansas
mudadndo a vida em novas qualidades.
No sonho de viver somos crianças,
alheios ao que são infelicidades.
Mas a vida sem sonhos que seria?
Uma noite sem nunca ver o dia?
Um tormento impossível de viver?
Sejam por isso, embora, os sonhos nada,
a alma quer-se em sonhos embalada
e sonha, sonha sempre até morrer.
Vila Meã, Julho de 1991
AMARANTE
Quem me dera ter tintas e pintar
esta meiga verdura que me encanta;
o rio manso que murmura e canta
de dia ao sol e à noite à luz do luar;
A Serra Mãe que ao longe se agiganta
e no íntimo de mim oiço falar.
A Serra lembra um monge a meditar
no Mistério de Deus que nos espanta.
Pintar estes barquinhos de mil cores,
parados junto à Ilha dos Amores,
nesta manhã tão pura que fascina.
Pintar, enfim, um céu azul suave
e, nele, o voo breve de uma ave:
movimento gentil que tudo anima.
Amarante, 1989
PINHEIRO MANSO
Pinheiro manso que ali havia,
para onde foste, pinheiro manso?
À tua sombra, quanto descanso,
quanto bem estar, paz e alegria.
Sempre que passo onde estiveste
ali eu páro. Meditação.
E da frescura que a tantos deste
sinto saudades e gratidão.
A tua imagem vai na distância;
a tua imagem além se perde.
Sob essa copa espessa e verde,
eu vejo o anjo da minha infância.
Que a tua alma, pinheiro manso,
na paz do Cosmos tenha descanso.
MAIO
Que Maio tão viçoso e tão alegre.
Nas ramaria, as aves vão cantando.
Tudo vãos mortais olhos contemplando
e alma se é pesada fica leve.
A luz do sol no corpo se recebe
que esta é um médico curando.
As doenças de um corpo miserando
que em mil chagas e pústulas referve.
Bendito sejas tu, garboso Maio,
que a tanta gente trazes a saúde
com aladas orquestras em ensaio.
Bendita seja a tua juventude
e essa imponência ao fuzilar do raio
e o lirismo dos sons do alaúde.
1940
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