terça-feira, 15 de março de 2011

MADRIGAIS

OS CARACÓIS

Nas profundezas dos céus,
Há muitos luzentes sóis.
Mas nenhuns como os teus olhos,
menina dos caracóis.

Nos jardins há muitas flores:
Cravos, rosas, girassóis,
Mas não há, no mundo, alguma
Com tão belos caracóis.

As almas de aço ou de bronze
Dos temerários heróis
Ficariam fascinados,
Se vissem teus caracóis.

Alma ingénua e sonhadora,
que de castelos constróis,
só de veres, terno enlevo,
tão galante caracóis!

E vós, meus caros colegas,
ouvi, dizei-me depois:
Que impressão fazem na alma,
Tão brilhantes caracóis?

Já estou a ouvir a resposta
Que me ides dar, pois vós sois
Susceptíveis de prender-vos
Nos fios dos caracóis.

Contudo, eu hei-de fazer,
Como pra mim. Ora pois!
Hei-de ver se me não prendem
Esses lindos caracóis.

De noite a terra é envolvida
em prateados lençóis.
E o nosso olhar fica cego
Com tão belos caracóis.

Moinho à beira do rio,
Com que canseira tu móis!
Não canses, pois dás o pão
À dona dos caracóis.

Ò morte feia e medonha,
Que tantas vidas destróis,
Não cortes com tua foice
Tão brilhantes caracóis .

Há nos jardins, muitas flores
há no céu milhares de sóis;
há muitas mulheres formosas
mas stão belos caracóis...


AMOR CRUEL DESVENTURA

No meu caminho passou
uma rara formosura;
e então, minhalma pensou:
amor, cruel desventura

O seu rosto angelical,
todo cheio de ternura,
prendeu-me, em laço fatal:
-amor, cruel desventura.

Mas lá foi essa beleza
vinda dos céus, com brandura,
mas deixou minhalma acesa:
de amor - cruel desventura

Corra o tempo, muito embora,
o peito sente a amargura
da saudade dessa aurora:
amor, cruel desventura.


CANÇÕES DA MOCIDADE

Cantemos nossas canções
Com ardor e sentimento,
Pra na idade de velhice
Ser mais leve o sofrimento.

Cantemos com alma em flor,
as nossas lindas canções;
Deixemos bater bem nelas
estes nossos corações.

O recordar é viver,
Mas é viver pela saudade.
Cantemos, alto, cantemos
As canções da Mocidade!


DEFENIÇÕES

A mulher é um poema
de graça e fulgor sidério,
sempre a mesma eterna Esfinge
todo envolta de mistério.

Os olhos são para mim
o espelho do coração:
diziam sim, se alma gosta,
se não gosta, diziam não.

O não pra quem não tem esperança
num doce amor, que sonhou,
é qual punhal assassino
que todo um mundo matou.

O sim pra quem já não espera
ternas esperanças de amor,
é lágrima abençoada
sobre um deserto de dor.


DEFINIÇÕES

A mulher é um poema
de graça e fulgor sidério,
sempre a mesma eterna Esfinge
todo envolta de mistério.

Os olhos são para mim
o espelho do coração:
diziam sim, se alma gosta,
se não gosta, diziam não.

O não pra quem não tem esperança
num doce amor, que sonhou,
é qual punhal assassino
que todo um mundo matou.

O sim pra quem já não espera
ternas esperanças de amor,
é lágrima abençoada
sobre um deserto de dor.


O TEU NOME

Aninhas, que nome lindo!
Que nome lindo de Aninhas!
Claro como a luz infinda,
manso como as andorinhas!

Tem a candura do lírio;
tem a pureza da neve;
tem a piedade do círio
e é leve qual epuma leve.

Tem o perfume da rosa;
Tem da andorinha a meiguice.
A graça da mariposa,
De subtileza e ledice.

Tem a suave tristeza
dum lento cair do sol,
a sonhadora beleza
do cantar do rouxinol.

Tem poesia e tem graça;
diz ventura e claridade;
é um doce luar que passa,
que passa e deixa saudade.


O TEU VESTIDO

O teu vestido de chita,
aos ramos, que lindo era!
Tornar a ver-to vestido,
meu doce bem quem me dera!

Tu com ele eras um lírio,
de elegância e formosura,
a banhar estes meus olhos
de enlevos de desventura

Uma fada peregrina,
do longe país dos sonhos,
a abençoar este mundo
de crimes torvos, medonhos.

Eras um anjo descido
dos santos reinos de Deus,
pra afagar meu coração
que só vê os olhos teus.

Ó minha rosa engraçada,
com teu vestido de flores!
Sê sempre rosas sem espinhos
e ardente pira de amores!

O teu vestido de chita
aos ramos que lindo era!
Meu amor, com ele parecias
a risonha Primavera.

Quando me lembra o Domingo,
eu sinto, como ninguém,
saudade do teu vestido
que te ficava tão bem.


LEMBRANDO

Cai a noite sobre o mundo,
e o lindo sol que sorri
já não arde, mas em mim,
ardem saudades de ti.

Canta o vento mil endeixas
no pinhal, onde eu escrevi
estas saudades que o vento
que o vento leva por ti

Merencório passa o rio
Manso, como inda não vi.
Passam em mim, mil saudades,
Em grande rio por ti.


QUIMERA

De cantarinho
Lá vais à fonte,
Ledo amorzinho
Meu horizonte.
Teu passo leve,
Qual o da ave;.
Mal se percebe
É tão suave!
Vi os teus olhos
Cheios de luz.
São os abrolhos
Da minha cruz!
O corpo teu
Escultural,
É flor do céu,
Flor ideal.
O teu sorrir
ai, prende tanto!...
É sol a abrir
de graça e encanto.
És uma flor,
flor divinal;
do meu amor,
paixão fatal.
A tua fala,
doce e serena,
se outros regala
a mim dá pena.
Quando te vejo,
vejo a ilusão;
louco desejo
dum coração.
Não há querubim,
no céu infindo,
que tenha, assim,
falar tão lindo!
É tão suave,
ai, é tão brando;
chilreio de ave,
nos céus voando!
Quando te vi,
doce ilusão,
morreu por ti,
meu coração
Pobre coitado,
não te entenderam
ai, não te amaram,
e em cruz te ergueram!
Ó meu penar,
que dilacera!
Por querer amar
uma quimera!...


SAUDADE TRISTE

Saudade triste
é esta minha
a toda a hora
saudade triste!
Porque te vi,
anjo adorado,
se eu hei-de, agora,
chorar por ti?
Bem melhor fora
nunca te ver
nem conhecer
os teus encantos
e formosura,
pois se mudaram
e me inundaram
de tristes prantos
e desventura.
É erro grave,
sem remissão,
darmos, assim,
o coração.
Ser como a ave
que livre voa
nos céus, à toa:
grande ventura
prazer suave.
Tal felicidade,
tal liberdade
agora invejo
de ânsia ardente.
Pra que há-de a gente,
brasa e desejo,
sonhar um beijo
que a vida nega?
Não é melhor
não querer amor?
Deixar a alma,
serena e calma,
p´la vida fora?
É uma ilusão
(triste é dizê-lo)
querer amor;
que o coração,
que paixão sente,
em mar de dor
voga gemente.
Jamais eu quero
prender-me nele.
Que amor sincero
é raro haver,
cá neste mundo,
escuro imundo,
que tudo trai,
que tudo apaga,
como num ai.
Livre hei-de ser,
pois, como a água,
mansa, a correr
de frágua em frágua,
pro grande Mar,
a marulhar,
no leito seu,
sem descansar.
E de hoje em dia,
eu faço a jura,
firme segura,
de te esquecer.
Não quero ter,
dura mulher,
ante os meus olhos,
teu corpo belo,
gentil, singelo,
que me afogou,
num mar de abrolhos.


LAMENTO

Anda sombria a minhalma;
anda triste, como a lua,
pois ainda não recebi,
meu amor, resposta tua.

Não sei a que atribuir
o longo silêncio teu,
que cobre de inquietação,
este triste peito meu.

Se tu, meu amor, soubesses
a minha grande ansiedade,
com certeza respondias,
ao menos, por caridade.

Se soubesses, minha querida,
o que é estar longe de ti,
privado desse teu rosto
que ternamente sorri,

esta dor compreenderias
que tanto me faz sofrer,
e o desejo insatisfeito
de ir aí só pra te ver!

Quem só uma vez te viu
não pode esquecer-te mais;
tu és a mulher mais linda
que eu conheço entre as demais.

Esses teus olhos profundos,
que tanto olharam pra mim,
são fios que me prenderam
num amor que não tem fim.

Foram eles que ascenderam,
no meu triste coração,
a chama de um grande amor
e a flor de uma afeição.

Secar esta flor, agora,
que na minhalma nasceu,
seria tirar-me a vida,
vivendo em noite de breu.

Quem vive, agora, de esperança,
a apontar-me céus de luz,
não pode vê-la mudada
em duros paus de uma cruz.

Se tu não ouves o triste
que loucamente te creu,
pra que foi que lhe mostraste
uma esperança cor do céu?

Se tu, amor, não cumprias
aquilo que me disseste,
não falar, bem melhor fora,
nesse amor que prometeste.

Se te conheci apenas
com a triste condição
de mentires ao meu amor
o que hei-de eu fazer-lhe então?...

Sofrer, sofrer, um tormento
de amor sem retribuição
é o maior sofrimento,
que retalha um coração.

Amor sem termos um peito
que ao nosso amor corresponda,
é como viver sem alma,
é barco ao sabor da onda.

Hei-de, pois, viver, assim,
nesta funda soledade,
se esta voz tu não ouvires
-voz de tristeza e saudade-


Poema dos olhos verdes

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!
fecha os olhos que me perdes,
fecha os olhos devagar
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar,
se és sereia que nos perdes,
foge, foge devagar!...
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar,
nessa linda cor nos perdes
Ninguém tos pode fitar.
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar,
em desejos tu nos perdes,
desejos de tos beijar .
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!
Mar sem fundo que mos perdes,
onde eu queria navegar
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
Cá ao vale de Santarém.
De tão longe, assim, nos perdes
Que poder teus olhos têm!...
Menina dos olhos verdes,
desse vale de Santarém.

Menina dos olhos verdes
Não olhes pra mim, meu bem!...
Se de longe, assim, me perdes,
Quem te vence aqui? Ninguém.
Menina dos olhos verdes,
Não olhes pra nós, meu bem!

Menina dos olhos verdes,
Em bruma tos vejo, além
E os do Garrett, inda perdes
Lá no vale de Santarém.
Menina dos olhos verdes,
Não olhes pra mais minguém.


COMO EU TE VEJO

Aquele olhar que, há dias me lançaste,
olhar furtivo, sim, mas penetrante
seria o brilho dum clarão radiante?
Seria a voz dum sonho que embalaste?

Aquele olhar que, há tempo, me deitaste
jamais o esquecerei. Perto ou distante
que vai de ti, por esse mundo adiante,
atrás de ti ó Dor, que me beijaste.

Eu sofro, agora, o mal duma incerteza,
que enchem de mágoa e de tristeza
os olhos meus que só te querem ver

eu vejo a graça dessa tua imagem,
nas tintas matinais desta paisagem
e na saudosa luz do entardecer.

1954


ALMA LOOUA!

Por, acaso fortuito, eu vi um dia
a mulher que em visões ainda aparece
aos olhos meus; aos quais, ela sorria,
como o dobrão do sol, quando amanhece.

Mas vê-la nunca mais. Desaparece
do plácido trilho que eu seguia.
E, desde, então, meu coração escurece,
numa noite de dor, triste e sombria.

Eu não verei jamais a criatura
de quem minha alma louca, anda à procura;
por quem louca de amor, em ânsias, chama?

Nunca mais! Nunca! Minha alma louca!
Nem lhe dirás, de coração na boca:
Enfim, enfim, eis a mulher que amo?

1937


AMOR

Amor é sentimento que nos traz
consolo e ansiedade ao coração.
É beijo de prazer, ninho de paz,
brisa que nos eleva à perfeição.

Manhã de Abril risonha, que nos faz
a vida mais suave. É ambição
que põe a alma em luta contumaz
e também em contínua inquietação.

Chama que põe o coração em brasa,
Primavera florindo; sonho e asa,
num êxtase entoando uma canção.

Caminho que ao céu leva e onde existe
a ventura suprema; ou -muito triste -
ao inferno, sem esperança e remissão!


AI, MEU AMOR

Ai, meu amor, ai que melancolia,
eu sinto ainda por me teres deixado!
Foste tu meu amor toda a alegria
dum pobre coração apaixonadao.

Onde esse sonho lindo e sublimado
que me fez exaltar a fantasia?
Desfez-se como fumo à ventania
deixando este meu peito desolado.

Nesse sonho subimos às alturas
Até onde pode ir o pensamento
dum romance de amor e de paixão.

Mas a fortuna má de assa escuras
o nosso sonho mata e nim momento:
silêncio e solidão! Só solidão.

Vila Meã, 1991

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