terça-feira, 15 de março de 2011

GAZETILHAS

Relógio da Torre

Segundo fresca notícia,
numa voz que por i corre,
em três anos -que delícia-
temos um cuco na torre.

Pra isso vão ser lançadas
derramas na freguesia;
é um estoirar de alegria
mas com foguetes queimados.

Mas a gente cá da Vila
não vai assim na cantiga.
Traz muito leve a barriga
pois que a prata não cintila.
Porém, pra electricidade,
lá para as bandas do rio,
vai tudo num corrupio
e o peito numa ansiedade

Melhor que a telefonia,
ou até televisão,
é ouvir, de noite e dia,
lá na torre...tão...tão .tão...

Em face desta derrama,
deve ficar sem efeito.
Se alguém a coisa não grama,
que espete um punhal no peito.
Ou então dê um pinchinho
da torre cá para o chão.
Que os anjos o tomarão,
em seus braços, com carinho.


O Prior de Santa Cruz

O prior de Santa Cruz,
é um grande pregador:
prega só em seu proveito
a Lei Santa do Senhor.

«Quem me encomenda sermões
traga a carteira bem cheia,
porque eu não vendo a palavra
só por uma tuta -e-meia.

Quando alguém me for rogar,
com ar falso ou verdadeiro,
para um enterro acompanhar,
tem que pagar bom dinheiro.

Que há quem enterre de graça
e faça até muito mais,
mas eu não vou na cantiga
desses frades desleais.»

Três, quatro dias ou mais
esperariam os defuntos...
frei andante anda por lá...
anda por lá aos presuntos.

É obra de Misericórdia,
é dever de bom cristão,
ir aos enterros de graça,
embora uns certos...não vão.

As irmãs de S, Vicente,
duma conhecida aldeia,
são muito amigas dos pobres
que vão pra cama sem ceia.

E que o diga João Rola
que é homem como se quer.
Ressona na mesma enxerga
com os filhos e a mulher.

«Quando alguém adoecer
Mande vir um feiticeiro.
Eu tenho mais que fazer
e não sou nenhum bombeiro».

As tainas que ali se fazem
até deixam a gente tola.
Se tiveres filosofia
O que dirás, João Rola?

Diz ele que somos serranos,
que somos da serrania.
Temos nisso muito gosto,
saiba vossa senhoria.

Meninas de S. Vicente
que é da Vossa Caridade?
-Nós seguimos o exemplo
de sua paternidade.

O prior de Santa Cruz
(qual prior? Um capelão!)
passa a vida a passear
de carrinho ou de avião.

Há muito o sino não toca
que o relógio está parado.
Dá-lhe corda , padre cura,
não andes tão desgarrado.

Todos dão a frei Andante,
e as beatas em primeiro.
Mas quem muito mais precisa
fica a tocar num pandeiro.

Todos dão a frei Andante,
das meias ao sobretudo.
Mas quem mais treme de frio
vê Braga por um canudo.

As esmolas que se dão
pro culto daquela vila,
caem num poço sem fundo
e ninguém ninguém refila.

Onde vais com esse almude?
-Vou plo vinho do Senhor...
-Será mesmo pro Sacrário
ou antes pro D. Prior?

Que nós somos atrasados.
Infeliz tal ironia.
Vivem cá alguns formados,
tal qual Vossa Senhoria.

Já é fraca sina nossa:
mais uma com que me fico.
Que me faz lembrar o outro
mais os seus «doutores de pico».

«Missinhas por outras almas
ó meus irmãos, bem sabeis:
cada uma paga as suas
não me importam outras leis.

Se não abrirdes a bolsa
como manda a obrigação
pego no meu saco às costas
e vou pedir, no Bolhão

Frei Andante que é moinante
não pára, em cada momento,
é um fradinho infiel
às regras do seu convento.

«Dizem uns que eu não sou recto
que, por vezes, troco o passo.
Mas não olheis... ao que eu digo
E... nem tão pouco ao que eu faço».


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