terça-feira, 15 de março de 2011

BIOGRAFIA

Alguns dados biográficos e uma justificação.

Fernando Marques de Araújo e Queiroz nasceu em 26.3.1910 e morreu em 7 de Julho de 2008, na freguesia de Vila Caiz, Amarante.
A sua longa vida de noventa e oito anos decorreu sem sobressaltos, sem dramas ou inquietações de maior, tão serena que espelha, de alguma forma, a sua personalidade.
A mãe, professora primária, morreu-lhe quando tinha dois anos de idade. O pai, também professor primário, contraiu segundas núpcias e, no seio da nova família, foi criado. Deste casamento nasceram três irmãos (um irmão e duas irmãs).
Embora às paixões platónicas dado, casou quando já tinha mais de sessenta anos de idade e, apesar de tardio, mesmo assim o casamento lhe durou quase quarenta.

Fernado Marques de Queiroz viveu, pois, uma longa vida. Gastou o seu tempo fazendo o que mais gostava de fazer: a ler, a conversar com os amigos, a escrever poesia. E porque dispunha de tempo, leu muito, teve muitos amigos e fez muitos versos.
Foi um homem de uma grande simplicidade e desprendimento de bens materiais: com pouco se bastava e com singelas coisas se deleitava e aprazia ; era um sonhador e um contemplativo e, por isso, deixou que a vida passasse por ele, mais do que o contrário. Foi sempre um homem de fé: mais do que um místico foi um crente, condição que manteve até ao final dos seus dias. E era naturalmente afectuoso com as pessoas, com os animais, com as coisas até.

Trazia sempre consigo - muitas vezes encadernado por si próprio - um pequeno bloco de apontamentos onde, a cada momento, estivesse onde estivesse, conforme a inspiração, ia registando as suas ideias, as suas impressões, os seus sentimentos, as suas memórias, as suas saudades, as suas vivências do dia dia, fossem simples comemorações de aniversários ou assuntos da vida local ou nacional. Mais tarde, passava-os a limpo. Quando atingiram número considerável, agrupou-os por temas em, pelo menos, vinte e um pequenos livros que ele próprio intitulou. É deles que abaixo se faz uma antologia, a qual constitui apenas cerca de metade de tudo quanto o seu Autor deixou escrito.A poesia de Fernando Marques de Queiroz reflete, assim, o modo de ser simples, apaixonado, contemplativo, afectuoso e religioso do Homem que foi.
Poder-se-á perguntar porque se publicitam e dão a lume, agora, estes versos : primeiro porque se cumpre o centenário do seu nascimento; depois, porque parece uma perda injustificável e uma inutilidade que chega a magoar, manter inédito (e provavelmente para todo o sempre esquecido) o resultado de mais de setenta anos de dedicação à causa da poesia.
Do merecimento da sua sua poesia, hão-de julgar os leitores. Por mais severo que seja tal julgamento algo de positivo há-de ficar. Almeida Garrett afirmou um dia (porventura com exagero) trocar toda a sua obra poética por uma conhecida quadra popular.
Aqui, há-de dar-se o caso de o leitor encontar uma imagem, uma sonoridade, um conceito, um simples verso que, de tão belos, valham por toda a obra do próprio poeta, Fernando Marques de Queiroz.

SAUDADES DE MIM

PARTIDA

Aproxima-se a hora da largada;
não tarda, pois, o lance da partida.
Como vai ser saudosa esta abalada!
E como vai ser triste a despedida!

A vossa mocidade divertida
toda beleza e amor, na debandada,
vai-me deixar a alma anoitecida,
numa saudade enorme, eternizada.

Viestes de mui longe a esta terra,
para cumprir a lei que o Deus da guerra
impõe a todo jovem português.

Parti, parti! Mas nunca mais vos esqueça
esse sorriso de oiro e de promessa
que o cego amor vos deu alguma vez.

Penafiel, Outono 1941


MEMÓRIAS

Ó vós memórias, que me estais cercando
e me levais distante já de mim!
Que é dessa rica torre de marfim
onde eu vivi, onde eu gozei sonhando?

Ó memórias que eu sinto em mim falando,
numa fala macia de cetim!
Falai da minha infância; do querubim
que Deus criou tão ledo e brando.

Ó memórias tão gratas à minha alma,
Fazei com que regresse à antiga calma
e seja o que já fui, por uns momentos...

Que a vida do presente que hoje tenho
é para mim, meu Deus, pesado lenho
que me envenena e seca o pensamento.

18 de Maio 1981


ILUSÕES

Ó torres a tombar, ó torres minhas!
Filhas da alma que tanto acalentei!
Jamais pousam em vós as andorinhas:
as ilusões e sombras que criei.

Subi às altas torres que eram minhas
em arroubos de fé que alimentei.
Mas as sombras das ledas avezinhas
nas torres a tombar só divisei.

Ai torres já tombadas - vis tristezas -
em ruínas, agora, pelo chão
de coisas em que pus tantas grandezas!

Tombai, tombai, caí no coração;
e sede, na minha alma, bem acesas,
o sangue dos meus versos de eleição.

1950


INFANCIA

O menino que fui e já não sou,
Vejo-o nesses caminhos a brincar.
Sinto todo o meu ser ressuscitar
o tempo que passou em veloz voo.

Os ares da Livração são ares que eu vou
a cada passo, ali, pra os aspirar:
e entrando em mim me fazem regressar
aos dias em que Deus em mim andou.

Caminhos que eu pisei pra Livração,
sinto-vos, dentro em mim, no coração:
sois o melhor que eu tenho, na existência.

Eu era um passarito que voava,
num mundo todo azul que me encantava,
Todo ele pureza e inocência!

12 Março 1980


CONFISSÃO

Confio ao papel branco imaculado
os ais deste meu ser saudoso e triste;
à minha alma exilada só lhe assiste
a pena desse tempo evaporado.

À saudade ninguém ninguém resiste;
anda comigo desde que sou nado.
E é um largo cemitério o meu passado
que hoje revivo porque não me assiste.

Que é da flor que alegrou a minha alma
enchendo-a de perfume e doce calma
e lhe mostrava o Reino da Ilusão?

Saudades de castelos derruídos
que jamais voltarão a ser erguidos...
Que é de tanta ruína, ó coração?

Porto, SetEMBRO 1936


ESPELHO

Num espelho me vejo projectado,
em tudo quanto fui, quanto vivi.
Sim! Morto sou; no espelho ressurgi
e dum estado passei a outro estado.

Vejo tudo o que foi do meu agrado;
vejo também o mal que padeci:
um enlevo de amor que é já passado
neste fluir do Tempo, e que perdi.


Tudo vejo no espelho por magia!
E que saudade, então, de mim se apossa
de tudo o que gozei num ledo dia!

O sol se apagou já, tristeza nossa!
Morreu com ele a alma da alegria:
sou, hoje, um espelho que de mim faz troça.

11 e 12 NovEMBRO 1982


Rapaz

No decorrer da vida eu volto atrás
e neste recuar eu quero ter
o meu passado e voltar a ser
o que já fui na vida de rapaz:

o papagaio, a gaita, o meu pião,
meu arco, a rodar estrada adiante,;
o pássaro que roubei ao céu brilhante:
a liberdade pura em minha mão;

a aula, o professor, a tabuada
(matéria que para nós era um pavor)
e uns olhos...sim... da terna namorada;

depois ter o recreio! Ai que algazarra!...
Ah Primavera, em nós, aberta em flor!
Ah meu Verão, no canto da cigarra!

20 Fevereiro 1977


LONGE DA TERRA

Longe da Terra que nos viu nascer;
longe do claro sol que nos beijou;
longe da água que nos baptizou,
pelas rochas da serras a escorrer;

dos caminhos da aldeia, onde a correr,
nesses tempos de infância se brincou,
como a ave que vai livre num voo,
em céu azul de Abril a amanhecer.

Longe de tudo aquilo quanto se ama,
que fala ao coração e que nos chama
e nos acena em gestos de amizade;

tudo isso, Senhor, tudo se sente
e vê por esse prisma transparente:
O prisma agridoce da saudade.

SONETOS DE AMOR

NÃO VÁS!


Não posso sujeitar-me à triste ideia
que de luto me inunda o coração.
Vou passar a viver na escuridão
que duramente a alma me lanceia.


Porquê deixares a tua bela aldeia ,
beijada pelas brisas do Marão,
onde brincaste, ó flor, ainda em botão,
longe do mundo que nos estonteia?


Não vás. Não queiras ir para longe!
Não me queiras fazer um pobre monge
mergulhado em sombria soledade !


Ó não fujas, sol a despontar,
com teu sorrir de graça a suavizar
o mundo em que eu já vivo com saudade.


1933





SAUDADES

Há quanto tempo os tristes olhos meus
já vivem sem te ver, ó formosura!
Estes meus olhos tristes são dois céus
onde o sol desses teus já não fulgura.

Desde essa tarde em que te disse adeus,
jamais tive prazer, doce ventura.
Mas tua imagem linda, essa quis Deus
que ficasse em meu peito com brandura.

Que penas têm sofrido estes meus olhos!
Ao zéfiro que passa a suspirar
confio que suavize os meus abrolhos.

Tu resumes, rainha das beldades,
um doce bem a que se quer chegar:
anseios de te ver que são saudades.

1934






TALVEZ

Talvez, talvez que a tua alma agora,
ainda que de orgulho recalcada,
escute, lá no fundo, a voz magoada...
aquela mesma voz que ouviste outrora.

Eu sei que a tua alma sofre e chora
(se bem que de alegria disfarçada)
ao recordar aquela madrugada
em que te disse amor como quem ora.

Por mais que dissimules, o teu rosto
terá sempre a tristeza de um Sol Posto
que banha as coisas de melancolia.

A dor que no teu peito se condensa
só tu é que a fizeste, nessa ofensa
que fez triste, tão triste, aquele dia.

1945






CARTA DE AMOR

Carta de amor que um dia se escreveu
de rosto iluminado e mão tremente,
na idade juvenil e sorridente,
que é dela? Pra onde foi? Já se perdeu...

Carta de amor quem foi que a recebeu?
Que é do peito amoroso e em dor ardente
que ao coração a aperta, loucamente,
e um beijo de paixão logo lhe deu?

Carta de amor... já folha pelo ar
sem brilho e sem frescura: ressequida,
à luz dum sol de Outono a desmaiar!...

Carta de amor por longe, assim, perdida...
Mas basta pensar nela, recordar...
e essa carta de amor volta a ter vida.

1948





ETERNA PRESENÇA
(a Arliza)

Há poucos dias ainda te deixei
e uma eternidade já parece!
Esta grande saudade em que fiquei
da minha alma jamais se desvanece.

Quem uma vez te viu e te conhece
da eterna simpatia sente a lei.
Tu és suave aurora que amanhece,
de cuja luz, amor, me enamorei.

Esses teus olhos cheios de magia
ungiram-me de sonhos e poesia
e queimaram meu peito de ansiedade.

Hei de viver assim eternamente,
pois que o meu coração te vê e sente
E és presença viva de saudade.

1937






PARA ARLIZA

De pensamento em ti, perdidamente,
escrevi os pobres versos que ai vão;
versos que são a voz de alguém que sente
um infinito amor, uma paixão.

Que prémio deles quero? Este somente:
(este, somente, amor, esta ambição)
que no teu peito casto, alvinitente ,
arda por mim um pouco de afeição.

De pensamento em ti...(o pensamento,
que jamais te esqueceu um só momento,
desde a hora bendita em que te vi.),

compus este livrinho, que vais ler;
que por ele, amor, tu possas ver
um coração, em chama, a arder por ti.

1937






O MEU LAMENTO

Se me lamento assim, Senhora minha,
é porque no meu triste coração
nasceu a meiga flor duma afeição
que o nome tem de Amor, que nos espinha.

Alma gentil, minha alma se definha
neste anseio cruel; na inquietação
de não saber se a minha adoração
alcança o vosso olhar que me mantinha.

Sem vós eu sou qual triste navegante
que sobre o oceano anda errante,
na ânsia de achar porto seguro.

Lançai, pra mim, Senhora, os vossos olhos.
E que esta dor, que é um mar cheio de escolhos,
seja uma luz rasgando o meu futuro!

1938



~


JAMAIS

Jamais posso esquecer, mulher querida,
esse olhar de esperança que me deste;
tinhas nele tal magia que fizeste
rasgar na minha alma uma ferida,

na qual - doce mulher, dos céus descida -
arde um fogo que um dia aqui puseste.
Se foste tu, mulher, que assim quiseste
não me negues esse olhar que me deu vida.

Viver a doce esperança de ser teu
é para mim uma ventura imensa,
é ver rasgar da noite o negro véu.

Não mates este amor e adoração;
na noite que em meu peito se condensa,
Seja um raio rompendo a escuridão.

1938






PERFIL

Como eu recordo o teu perfil moreno
onde brilha um sorriso encantador;
pela constância, então, vejo que peno
de saudades por ti, ó meu amor.

Outro não vejo, assim, nem mais ameno
como esse teu, o minha leda flor!
É puro como um céu azul sereno,
onde giram mil sóis de resplendor.

Os seres angelicais cheios de luz,
não gozam de um perfil assim tão puro
como esse teu, morena, que seduz.

O teu perfil eu quero-o sempre ver,
seja um luar no meu caminho escuro,
seja sol de Verão, no céu a arder.

1938






PERDÃO

Meu amor e minha fantasia,
lindo sonho azul que edifiquei,
não negues à minha alma essa alegria
que eu vi nos olhos teus quando os fitei.

Esquece, ó meu amor, o triste dia
em que, sem querer, te molestei!
Confesso o meu pecado; como eu queria
reparar tanto mal que te causei!

Ó minha flor, ó minha flor tão pura,
escuta e ouve, amor, esta amargura,
que chora e grita, amor, no coração!

A teus pés de joelhos, mãos erguidas,
com lágrimas nas faces bem sentidas:
Perdão, perdão, amor, perdão, perdão!...

Paços de Ferreira, Set 1943





TU ÉS

Tu és aquela doce e boa amiga
que se venera e nunca mais se esquece;
e a quem me liga uma afeição antiga,
mimosa antiga que em jardim floresce.

Tu és um sonho ledo que se tece,
por mais que a desventura nos persiga;
se às vezes o meu dia se escurece
o teu dia me basta , cara amiga.

Tua amizade , sim, eis a riqueza
maior que eu posso ter nesta incerteza
que mergulha minha alma em escuridão.

Ai como é bom, muito distante embora,
ter alguém que em nós pensa a toda a hora
e acalenta junto ao coração

1944





Porquê

Porquê? Porquê mulher, qual a razão
do meu saudoso e amargo palpitar?
Não morreste para mim doce ilusão,
de tudo quanto fiz pra te olvidar.

Imperioso saber! Quero encontrar
a origem desta estranha evocação.
Eu quero ler em mim e decifrar
que segredos me vão no coração.

Pode lá ser, mulher, (há tanto, tanto...)
Sentir ainda a força desse encanto
que outrora me deu prazer e dor?

O tempo tudo esvai. Mas num momento
podem nascer do esquecimento
as cinzas dum antigo e grande amor.

1944






CARTAS

Li as cartas que um dia me escreveste
e que doçura -amarga elas me dão.
Quanto da alma nelas tu puseste.
Quanto fervor, cuidado e devoção!

Essas cartas que em tempos me escreveste
(ó mundo de saudosa evocação)
são cinzas, já, dos sonhos que teceste
outrora, quando tinhas coração.

Tuas cartas, como aves a voar,
Pousaram em minha mão, com suavidade,
trazendo teu coração a palpitar.

Lê, meu amor, as minhas, tu também.
E relembra o passado, na saudade,
desse amor que nos deu tão doce bem.

1944






AMOR

Não corro o mundo num desejo imenso
de glórias; de triunfos; de troféus.
Debaixo de outros sóis e doutros céus
num único desejo me condenso.

E nele medito e quedo-me suspenso;
e tento penetrar, em esconsos meus;
mas vejo tudo envolto em densos véus
e não sei o que sinto e o que penso.

Que coisa é essa então em que medito?
É a febre de ser grande, em alto grito
transcender a própria eternidade?

Este desejo é coisa pequenina,
(são quatro letras só) mas tão divina:
Amor, Amor: inferno e claridade!

Penafiel, 1947





VINGANÇA

Forçoso é, Senhora, que eu vos queira-
embora vós a mim me não queirais-
se assim arde no peito esta fogueira
que queima tanto mais se me apartais.

Forçosa é que seja esta a maneira
de ver o vosso olhar, com que matais,
se nele sinto a chama verdadeira
que me transporta a altos ideais.

Forçoso é que se trave guerra acesa,
em meu ser, contra mim, com a certeza
de perder sempre os loiros da vitória.

Forçoso é que eu, em vós, haja morrido:
E seja a minha glória de vencido,
guardar-vos, por vingança, na memória.

1954





CONTRADIÇÃO

Sujeito estou, Senhora, à dura sorte
que me vem desse olhar, com que matais;
em meu peito, Senhora, incendiais
o lume dum querer que traz a morte.

E tudo vem e morre sem jamais
se achar aquela linha clara e forte,
que nos traz a esperança e nos conforte
e leve a luz às trevas abismais.

Senhora, o vosso olhar tem tal poder,
tal graça, sortilégio e simpatia,
que a gente dum não querer volta ao querer.

E neste sim e não se anda à porfia,
sem nada de seguro ter ou ver,
daquilo que melhor nos conviria.

1954




COMO EU TE VEJO

Aquele olhar que há dias me lançaste,
olhar furtivo, sim, mas penetrante,
seria o brilho dum clarão radiante?
Seria a voz dum sonho que embalaste?

Aquele olhar que há tempos me deitaste
jamais o esquecerei. Perto ou distante
que vá de ti, por esse mundo adiante,
segue comigo a Dor porque me olhaste.

Eu sofro, agora, o mal duma incerteza,
que enche de mágoa e de tristeza
os olhos meus que só te querem ver.

E quando não, ressurge a tua imagem
nas tintas matinais desta paisagem
e na saudosa luz do entardecer.

1954






ALMA LOUCA!

Por acaso fortuito eu vi um dia
a mulher que em visões ainda aparece
aos olhos meus; aos quais ela sorria
como o dobrão do sol quando amanhece.

Mas vê-la nunca mais! Desaparece
do plácido trilho que eu seguia.
E desde então meu coração escurece,
numa noite de dor triste e sombria.

Não verei eu jamais a criatura
de quem minha alma louca anda à procura;
por quem louca de amor, em ânsias, chama?

Nunca mais! Nunca! Minha alma louca!
Nem lhe dirás, de coração na boca:
Enfim, enfim, eis a mulher que amo?

1937






AMOR

Amor é sentimento que nos traz
consolo e ansiedade ao coração.
É beijo de prazer, ninho de paz,
brisa que nos eleva à perfeição.

Manhã de Abril risonha que nos faz
a vida mais suave. É ambição
que põe a alma em luta contumaz
e também em contínua inquietação.

Chama que põe o coração em brasa;
Primavera florindo; sonho e asa,
num êxtase entoando uma canção.

Caminho que ao céu leva e onde existe
a ventura suprema; ou -muito triste -
ao inferno, sem esperança e remissão!






AI, MEU AMOR

Ai meu amor, ai que melancolia,
eu sinto ainda por me teres deixado!
Foste tu, meu amor, toda a alegria
dum pobre coração apaixonado.

Onde esse sonho lindo e sublimado
que me fez exaltar a fantasia?
Desfez-se como fumo à ventania
deixando este meu peito desolado.

Nesse sonho subimos às alturas
até onde pode ir o pensamento
dum romance de amor e de paixão.

Mas a fortuna má de asa escuras
o nosso sonho mata; e num momento:
silêncio e solidão! Só solidão.

Vila Meã, 1991



SINFONIA VERDE

SONHO
(Nota do A: «o meu primeiro soneto»)


Sonhei-me numa ilha flutuante
Matizada de esplêndida verdura;
De arquitectura rica e deslumbrante;
De esplendoros sóis da luz mais pura.


Mulheres de formosura fascinante,
Nessa ilha ideal, punham ventura;
Por quem meu coração, em breve instante,
Por todas se apaixona. Vã loucura.


Cingindo véus de linho, essas visões
Passavam, junto a mim, quais procissões
De deusas e de virgens vaporosas.


Mas nisto os olhos abro e então reparo
No mundo das paixões e ódio ignaro,
Nas mágoas e tristezas dolorosas.


1937




QUANTO

Quanto amor em ódio convertido!
E quanta luz em treva transformada;
e quanta vida quanta esfarrapada.
E quanto corpo vivo apodrecido.

Quanta tragédia esconde uma risada;
quanta dor num abraço divertido;
E quanto coração empedernido.
E quantos homems que não valem nada.

Quantas palavras, quantas, que são vento;
e quanta preversão no pensamento;
quanta alegria a disfarçar tristeza.

Quanta dor se faz pra enriquecer.
Quanta justiça ainda por fazer.
E quantos passam fome de beleza.

Vila Meã, Setembro de 1990





OS MEUS ANOS

Fiz já oitenta rasas, bem medidas,
em certo dia que já vai além;
se fazê-los é mal, também é bem:
são provas e são graças recebidas.

Ver as horas da Vida bem vividas,
sem ofender ou molestar alguém,
é já cumprir a lei de Deus, a quem
devemos o que somos nestas lidas.

Parecem sonho os anos que já conto!
Como é fugaz a vida (e neste ponto
eu fico longo tempo a meditar...)

Enche um bercinho uma criança loira;
mas o tempo volvendo em dobadoira
põe, junto deste, o berço tumular.

Vila Meã, Março de 1990





NÃO CHOREIS

Quando eu partir, metido num caixão,
ah, não choreis por mim, antes rezai.
Tem muito mais valor uma oração
que mil prantos e gritos, por quem vai.

Ah, não choreis por mim. É tempo vão.
Esse tempo melhor o empregai,
lembrando-vos de mim com devoção
para que a minha alma suba ao Pai.

Àquele que nos criou só por Amor,
sem de nós precisar; eis o valor.
Da bondade de Deus que nos deu vida.

Rezai, pois. Não choreis. Não vale a pena.
Esta vida é tão curta e tão pequena:
breve sereis na última jazida.

Vila Meã, 1991





CEGUEIRA

Na guerra, o inocente é quem padece
a loucura dos homens desvairados.
Os seus fomentadores, bem regalados,
riem-se à dor que mata e que enlouquece.

A guerra é esse monstro que enfurece,
que fere, com sanha vil, mil desgraçados,
e que sem culpa ter são arrasados
pelo seu peso brutal que não decresce.

A vaidade, a ambição, a estupidez
quis pôr o mundo em fogo, outra vez,
para subir a tronos imperiais.

Mas não se lembram eles -que cegueira!-
que depois duma glória passageira
acaba tudo em cinza e... nada mais.







POETA ENTRE POETAS

Em terra à beira mar tu foste embora,
meu bom amigo, poeta entre poetas;
mau fado te feriu com duras setas,
que o mau fado não falha em sua hora.

Voaste amigo, para além da Aurora,
onde goivos não há nem violetas.
Descansas, hoje, nas mansões dilectas
dos anjos e da paz imorredoira.

Teu peito triste chora nos teus versos,
sumidos pelo vento: ecos dispersos
tão poucos lhe conhecem seu encanto.

Vieste a este mundo antes do Tempo;
má estrela te beijou. Noutro momento,
bem alto subirias por teu canto.

Santa Cruz do Bispo, Março de 1991





CENA PASTORIL

Era em Abril. Um céu cheio de luz.
Nas verdes frondes, pássaros noivavam.
Arroios solitários murmuravam,
como quem leva o peso duma cruz.

Zagalinha gentil anda no monte,
guardando o seu rebanho obediente.
Naquela vida ingénua anda contente;
Não busca, além daquele, outro horizonte.

A sua voz de cisne solta um canto
cheio de melodias -um encanto -
em que não arde o lume dum desejo.

Um pastorzito ouvindo a zagalinha,
atraído por ela, se avizinha
e sem que ela dê fé, furta-lhe um beijo.

1938





SINFONIA VERDE

Ó Primavera! ó Sinfonia Verde,
Que aqueces o meu sangue e a fantasia...
És um poema pleno de alegria
Que sobe ao céu e na amplidão se perde.

A natureza é um canto de harmonia
Que se levanta da paisagem verde.
Nela vai a minh´ alma que se perde
Nessa gama de tintas tão macia.

Oh almas que vivestes até agora
Refechadas no peito, saltai fora!
Vinde sorver o cheiro dessa flor.

Oh lábios meus de carne e de desejo,
Não recuseis a música de um beijo
À jovem Natureza e Mãe da Cor.





TRIGO

Oh trigo, que o tisnado lavrador
semeia com as suas mãos amigas;
com as bênçãos de Deus darás espigas
-poema de canseira e quanto amor!

No ardor do estio, ledas raparigas,
de foice em punho e riso aberto em flor,
lá vão ceifando a messe do Senhor
enchendo o ar de límpidas cantigas.

Depois na eira, os feros manguais
tiram os grãos às loiras espiguinhas
com os seus golpes fortes e brutais.

Trigo! Serás depois no Altar Divino,
no Pão da Eucaristia hóstia branquinha,
o Corpo e sangue e alma de Jesus

1943





LÍNGUA DA CAMÕES

Bendita sejas, Língua de Camões.
Bendita sejas, Língua portuguesa!
Mimosa flor de graça e de beleza
cujo aroma embriaga os corações.

Brilham , no céu, estrelas aos milhões
com toda a majestática grandeza:
mas não brilham, nem têm maior riqueza,
que tu, oh Mãe, de estranhas emoções...

Oh língua de Camões, tão sublimada,
teus doces sons - que lira divinal -
deixam a nossa alma deslumbrada.

Oh Língua de Camões, Língua imortal
que aos abismos do mar impera e brada:
-Mais além, mais além, sou Portugal.

1943





PORTUGAL

Oh noites de guitarras ao luar!
Oh noites de folgança e de beleza!
Vós sois plenas de encanto e de beleza!
Vós sois mil corações a palpitar.

Um rouxinol, num bosque, vem cantar
melodias de sonho e de tristeza.
E um desejo de amor, todo pureza,
vem-se aos corações insinuar.

Cascatas com altares ao S. João...
e folga a mocidade, em vibração,
em tantos peitos de oiro e de cristal.

Oh noites de perfume e claridade!
Oh noites de poesia e de saudade!
Noites assim somente em Portugal.





SINO DE OIRO

Quem não ouve essa voz de um sino de ouro,
em doces sinfonias e promessas?
No profundo das almas mais recessas
tem esse sino o brilho de um tesouro.

Ventura e felicidade sem agouro
(como outras não há mais belas que essas)
qual de um ourives as mais ricas peças,
a fascinar os olhos de um rei mouro.

E o sino toca, toca, doidamente;
toca sem descansar, vibrantemente,
com uma força estranha...que magia!

Nunca deixes, ó sino, de tocar
dentro do coração e anunciar
o prometido sol de um novo dia.





QUANTO CORAÇÃO SEM HORIZONTES

Pisei a luz do sol na folha verde,
que o vendaval pra longe arremessou.
Quanta beleza neste chão se perde!
E quanto sol que nunca esplendurou!

E quanta flor que ainda não abriu!
E quanta noite ainda sem aurora!
E quanto rosto que ainda não sorriu!
E quanto olhar que sofre, mas não chora!

Quanto ódio que dantes foi amor!
E quanto luz em noites convertida!
E quanta sede ardente sem ter fontes!

Quanta estrela velada, em seu fulgor!
Quanta ideia de paz que foi traída!
E quanto coração sem horizontes!

1966





TRIUNFO

Acorda estremunhada a Natureza.
Esplende o sol, num puro céu de anil.
Os campos são tapetes de beleza;
cantam os melros na manhã de Abril.

Anda no ar um bálsamo subtil.
A brisa vai correndo com leveza.
Pressentem o calor insectos mil:
zunem movendo as asas com destreza.

As árvores pujantes de verdura
consolam as almas de frescura,
convidam a dormir a bela sesta.

É o triunfo da vida sobre a morte;
energia, optimismo e sangue forte
nas veias a girar tal uma festa.

1954





O NOVO DIA

Nevoeiro pairando sobre os montes!...
Ó luz do dia baça e tão tristonha!...
A alma se concentra e sonha, sonha!...
E chora e geme como as claras fontes.

Horizontes não há: só nevoeiro...
e triste, triste a alma se comprime.
Ó denso nevoeiro, tens do crime,
o seu aspecto escuro e traiçoeiro!...

Mas para além de ti, ó nevoeiro,
eu vislumbro, nos céus, estranho luzeiro
de promessas de amor e de alegria.

Tua alma de mágoa e de tristeza
encerra, ó nevoeiro, essa beleza
dum Mundo Novo que há de vir um dia.

17 de Fevereiro de 1958





A FESTA DA SENHORA

A Festa da Senhora é lá no cume
da montanha coberta de arvoredos,
onde rolinhas cantam seus segredos,
segredinhos de amor, talvez, com lume.

No primeiro Domingo e mês de Agosto,
é que esta festa antiga se celebra;
na sua pompa não se nota quebra
desde manhã cedinho até Sol-Posto.

No adro que circunda a capelinha,
desde o nascer do sol ate noitinha,
andam moças e moços a dançar.

E em cima dum rochedo, aconchegados,
um par de lindos jovens namorados
gizam, à luz de Deus, um novo lar.

28 de Agosto de 1981





A GRANDE FONTE

Viver esta beleza, esta pujança
que nos anima e cobre de alegria,
é receber em haustos a Poesia,
Em Hossanas de Amor e de Esperança.

É termos o prazer de uma harmonia
- duma harmonia só que se não cansa -
formando em nosso ser uma aliança
com esta bela verde sinfonia.

A natureza é fonte esplendorosa
de sangue para os corpos combalidos,
e força já para as almas já sem luz.

É rapariga fresca e donairosa,
que nos cativa todos os sentidos
numa sede de amor que nos seduz.





REZA DAS FONTES

Campeia o Sol na curva azul safira;
refulge a luz, na altura, quase a pino.
O Astro é oiro do mais puro e fino,
num templo pagão ardendo em pira.

Dança -de mil insectos- que delira;
além no campanário a voz do sino,
num toque compassado e cristalino.
E a brisa a deslizar tem sons de lira.

Ocultos na verdura, ouvem-se grilos
animando a paisagem com seus trilos,
anunciando intensa calmaria.

Por valados, por montes, por devesas ,
fontes a murmurar, erguendo rezas
em louvor desta estranha sinfonia.





PRIMAVERA

Que luxuosa e fina a Primavera!
Águas cantando descem lá dos montes;
Límpidos céus que rasgam horizontes;
Aves que voam, pelo azul da esfera;

Mariposas, aos ss : a quimera
que para os sonhos nos levanta as frontes
e, a beber, nos leva a outras fontes,
daquela linfa que jamais se altera.

Canções melodiosas...cor e encanto;
luz a jorros dourando a Natureza,
alegria e esplendor de canto a canto.

A noite cai em benção de pureza.
E a brisa leve, leve, num quebranto,
é voz de Deus no sopro de uma reza.

1965





ESTIO

Reina o Estio com pompas e grandeza;
campeia o sol com quanta majestade!
No firmamento é tudo claridade.
E a Terra tem donaires de princesa.

E que mimos de graça e gentileza!
Que perfumes! Meiguice e claridade!
Que riqueza de cor; que suavidade,
à tardinha, na Madre Natureza.

Louvado seja o Verão, louvado seja!
O sol é um lampadário de uma Igreja
que acolhe a todos nós sem restrição.

Num dia de Verão quero morrer,
à hora em que o sol vai adormecer,
pra me levar com ele no coração.

21 de Maio 1979





BENDITA SEJAS

Bendito sejas, monte desta Terra,
-Terra que nos criou e é nosas mãe-
doirado pelo sol que vem da serra,
beijado pela lua lá do Além.

Por entre os teus pinhais minha alma erra
-minha alma a sonhar sente-se bem-
e sobe para Deus em paz, sem guerra,
e à sua Virgem Mãe reza também.

Oh Monte mariano donde a vista
se espraia por bem longe , e então avista
um vasto panorama que fascina.

Oh Senhora do Monte, Oh padroeira,
a nossa e tua Terra prazenteira
enche-a de amor, de graça e luz divina.

Agosto, 1990



PORTO

Porto, nobre cidade e hospitaleira,
onde a gente se encontra sempre bem;
a tua alma nobre e prazenteira
é conhecida , pelo mundo além.

Em todo o Portugal não há ninguém
que já te não conheça; ó urbe ordeira,
banhada pelo Douro que te vem
beijar os pés, no fundo da Ribeira.

Ah Porto! Ah Nobre e altíssima cidade,
em que o grito imortal da liberdade,
pra bem de Portugal, em ti soou.

Eu te saúdo. E sinto no meu peito
profundo sentimento de respeito
por quem a tanta glória te elevou.

Porto, 16 de Maio, 1988





CÂNTICO DA COR

Mil chilreios com asas a voar;
borboletas, de cores, as mais bizarras;
os cravos mais as rosas são guitarras
em harpejos de aromas pelo ar.

A Madre Natureza é um regalo,
um beijo mui fecundo de promessa.
Pela tarde, no espaço, se arremessa
o có-ró-có metálico dum galo.

Seara, grata à brisa, ondeando
prenhe de pão; prós homens, que sonhando,
nela têm o sangue e o seu suor.

Tudo respira, paz, saúde e vida;
e a natureza inteira, ressurgida,
ergue o poema sinfónico da cor.





SONHO

Os sonhos do futuro são esperanças;
os sonhos do Passado são saudades;
os sonhos que virão...são só lembranças
que podem ser ou não realidades.

No teu volver, ó tempo, não descansas
mudadndo a vida em novas qualidades.
No sonho de viver somos crianças,
alheios ao que são infelicidades.
Mas a vida sem sonhos que seria?
Uma noite sem nunca ver o dia?
Um tormento impossível de viver?

Sejam por isso, embora, os sonhos nada,
a alma quer-se em sonhos embalada
e sonha, sonha sempre até morrer.

Vila Meã, Julho de 1991





AMARANTE

Quem me dera ter tintas e pintar
esta meiga verdura que me encanta;
o rio manso que murmura e canta
de dia ao sol e à noite à luz do luar;

A Serra Mãe que ao longe se agiganta
e no íntimo de mim oiço falar.
A Serra lembra um monge a meditar
no Mistério de Deus que nos espanta.

Pintar estes barquinhos de mil cores,
parados junto à Ilha dos Amores,
nesta manhã tão pura que fascina.

Pintar, enfim, um céu azul suave
e, nele, o voo breve de uma ave:
movimento gentil que tudo anima.

Amarante, 1989





PINHEIRO MANSO

Pinheiro manso que ali havia,
para onde foste, pinheiro manso?
À tua sombra, quanto descanso,
quanto bem estar, paz e alegria.

Sempre que passo onde estiveste
ali eu páro. Meditação.
E da frescura que a tantos deste
sinto saudades e gratidão.

A tua imagem vai na distância;
a tua imagem além se perde.
Sob essa copa espessa e verde,

eu vejo o anjo da minha infância.
Que a tua alma, pinheiro manso,
na paz do Cosmos tenha descanso.





MAIO

Que Maio tão viçoso e tão alegre.
Nas ramaria, as aves vão cantando.
Tudo vãos mortais olhos contemplando
e alma se é pesada fica leve.

A luz do sol no corpo se recebe
que esta é um médico curando.
As doenças de um corpo miserando
que em mil chagas e pústulas referve.

Bendito sejas tu, garboso Maio,
que a tanta gente trazes a saúde
com aladas orquestras em ensaio.

Bendita seja a tua juventude
e essa imponência ao fuzilar do raio
e o lirismo dos sons do alaúde.

1940

AGUARELAS

AGUARELAS


É um café de muito movimento,
sobretudo nos dias de Domingo.
Eu entro lá e mando vir um pingo,
que todo me regala cá por dentro.


As mesas estão cheias de fregueses.
Falam de tudo, pois, mas mais de bola.
Outros jogam a sueca que os consola
e eu aprecio o jogo, algumas vezes.


A Miquinhas é muito atenciosa
e, com seu ar de muita simpatia,
atende este ou aquele, com alegria.
E lá lhes leva um «cheiro» ou uma gasosa.


Que pitoresco o que os meus olhos vêm!
Um campo com ramadas verdejando
E pinheiros ao fundo sombreando.
E várias casas por aqui e além.


Num plano mais abaixo escuras giestas,
ao vento que desliza a baloiçar;
e à fresca sombra há pares a namorar.
E cheiro a rosmaninho e ervas lestras.

Ao alto, entre o pinhal, uma pedreira
E pouco adiante quase mão com mão,
Depara-se uma casa em construção
Que irá rezar à Virgem Padroeira.

A suave colina onde eu demoro
parece, na verdade, uma cascata,
onde a luz gloriosa se refracta
à luz do sol, com os seus raios de ouro.

Sobre a cascata voam mansas pombas,
com suas asas brancas de cetim.
A colina - cascata é um jardim
de claras fontes e de frescas sombras.



Do lado do Nascente, há um pinhal,
onde cantam rolinhas meiguiceiras.
Vê-se, à frente, um jardim das oliveiras
posto cá, da Judeia, em Portugal.

O lugar do Cruzeiro é, na verdade,
um lugar concorrido e atraente.
Durante todo o dia passa gente,
dando-lhe vida, nem uma cidade.

As suas casas têm certa importância,
mas delas todas a de mais valor:
é a de Cima de Vila, bela estância,
na qual sonhou, há anos, um pintor.

E no seu largo: uma mercearia,
que tem de tudo, como na botica:
Painço pra canários, fava rica,
salsichas, salpicões e peixaria.



Manhã ainda sem sol, manhã cedinho,
dirigi-me pró campo, que frescura!
Gotinhas de nevoeiro, que finura!
Na minha cara caem de mansinho.

Envolto nesta paz que me sossega,
de regador na mão e devagar,
carreiro por carreiro sem parar,
das cebolinhas eu procedo à rega.

A água está num tanque recolhida,
muito fresquinha e própria para o banho.
Dentro dela, porém, eu não me apanho
pois quer beber a terra ressequida.

À sombra saborosa dum pinhal
a ler versos de amor, feliz, me pus.
Filtrada pelos pinheiros vinha a luz
deste dia de estio excepcional.



E lá no céu azul nem uma ave
em seu voar suave e gracioso:
Nem duma fonte o murmurar saudoso.
Desliza, apenas, uma brisa suave.

Os milheirais torcidos plo calor
vejo-os, além, com infinita pena.
Mas chorá-los porquê? Não vale a pena:
no mundo todos nós temos a dor.

Um renque de roseiras, reflorido;
Uma casa, depois, caiada a branco;
passa ao lado o caminho largo e franco,
onde ronca o motor reaquecido.

À minha frente um automóvel desce,
pelo caminho que passa no Belmonte.
Dali se abarca e vê largo horizonte
o qual visto uma vez jamais esquece.



Dos lados do Nascente ergue-se a serra
da Senhora da Graça de Mondim:
esse pico a furar o céu sem fim,
grandeza sem rival da nossa terra.

No átrio da minha casa a fazer de eira,
tenho a secar as minhas ervilhinhas
que eu, com desvelo olhei (pois se eram minhas!).
E à tarde irei malhá-las, com canseira.

Semeei-as, no campo, com amor;
Reguei-as, já nascidas, com carinho:
E quando as cozinhar, com arrozinho,
que rico prato ele é, que bom sabor!

E os grãos delas, então, na caçarola,
ensopadas com frango e belo trigo!...
Eis um prato excelente; um apresigo
que melhor nos adita e nos consola.



Eu vejo lá no fundo Aldeia Nova.
À direita fica a Lina Tecedeira.
Fica, em baixo, o Toninho da Porqueira:
a casa onde revivo a uma luz nova.

E mais em baixo, a casa de Ametade,
casa antiga e de aspecto muito nobre.
Esteve há anos, ali, António Nobre:
Um mago a vislumbrar a Eternidade.

De campos e de montes envolvida.
outra casa se vê, na qual, outrora
Viveu um tal Dom Sapo e vive agora
ainda numa lenda bem tecida.


Aguarelas

Vinde, pintores, pintar este quadro
E pintá-lo com tintas verdadeiras.
Em baixo são humildes oliveiras
Cujo óleo ao Altar é consagrado.

O vetusto carvalho aqui não falta,
Com sua sombra tão deliciosa;
Pinheiros de resina bem cheirosa,
E eucaliptos, na parte atrás mais alta.

E noutro plano, campos com verduras
E ramadas cobertas de videiras;
Flores algumas, que são alvissareiras,
E núncias de alegrias e venturas.


II

A festa da Senhora é lá no cume
Da montanha coberta de arvoredos,
Onde cantam rolinhas seus segredos,
Segredinhos de amor talvez com lume.

No primeiro Domingo e mês de Agosto
É que esta festa antiga se celebra.
Na sua pompa não se nota quebra
Desde manhã cedinho até sol-posto.

Romaria que é nossa sem rival,
Foguetes a estoirar e procissões;
E bombos a rufar, mil atracções,
De cor e luz cá neste arraial.

Gigantones que dançam pela rua
E com ele moços e moças a bailar;
Ao compasso das bandas é marchar.
E lá no céu, sem fim, ciranda a lua.

E nas sombrinhas frescas das latadas
O povo saboreia o almeirinho.
Depois, umas sonecas regaladas;
E sempre perto o garrafão do vinho.


III

No cimo: o verde-escuro dos pinhais;
Mais ao cimo: casinhas branquejando
À luz do sol que as vai iluminando
C ´o fogo destes dias estivais.

Num outro plano: campos amarelos,
Onde o centeio, há dias, foi ceifado;
E que agora se vê enroleirado
Para depois dar farinhas e farelos.

Entre arbustos, de pedra em pedra, corre,
Num fundo vale sombrio, com recato,
Águas frescas de um límpido regato
Que em claro rio logo adiante morre.

No topo da colina uma casinha,
Que é moradia rindo prazenteira.
Esta alegre casinha é Oliveira
Viveu nela e morreu minha madrinha.


IV

Cheguei, agora, ao Alto do Ladário,
Que deleitoso Monte do Tabor!
Em baixo passa o rio com langor,
Cuja paisagem é de aspecto vário.

Larga extensão de milhos se descobre
Ao sol jorrante, límpido, pagão,
O qual, sem distinção a todos cobre
Fazendo rica a aldeia de Gatão.

A meio, um cemitério pequenino:
A seu lado a igreja-monumento;
No campo santo dorme um pensamento
Que foi em vida um génio peregrino.


V

Airosa casa cujo nome é vale
Nela habita meu primo Zé Queiroz.
Esta casa pra mim tem uma voz
que me chora cá dentro por meu mal.

Um pouco acima dela é Ribaçais,
um largo com um ar muito agradável.
Tem casas de um aspecto respeitável;
Quem ali passa não esquece mais.

Uma rua e no fim vê-se uma ponte;
Outra rua e no topo fica a Igreja,
Muito altaneira pra que a gente a veja,
E uma capela à Virgem lá no monte.


VI

Manhãs de Julho ardentes de Junqueiro
Sentimo-las no corpo com rigor;
Neste mês é o império do calor,
Ardendo, lá no céu, como um tocheiro.

A tarde é quente, quente qual um forno,
Numa grande e intensa labareda;
Nesta verdura fina como seda,
Nem leve viração se sente em torno.

A terra lá no fundo é uma prece
Erguida para Deus pedindo calma,
Para este calor que aflige a alma
E nos fustiga a carne e amolece.


CAMINHOS DA MINHA TERRA

Caminhos da Minha Terra

Cada um destes caminhos
que eu gosto de percorrer,
é raiz forte e profunda
nas veias deste meu ser.

Caminhos da minha Terra,
caminhos dos passos meus,
onde eu em paz e em graça,
sem asas, voo aos céus.

Caminhos da minha Terra:
um rio manso ...um moinho
a converter loiros grãos
em pão cheiroso e branquinho.

Caminhos da minha Terra,
doce aldeia tão garrida!
Em ti, achei a mulher
que deu vida à minha vida.

Caminhos da minha Terra,
minha terra e minha mãe!
Quando um dia for pra Deus,
vós comigo ireis também.

Caminhos da minha Terra,
Por entre campos em flor,
no lindo dia de Páscoa
passa o nosso redentor.

Caminhos da minha Terra,
sois todos, todos iguais:
mas dos caminhos do mundo
sois vós os que valeis mais.

Caminhos da minha Terra,
meu rude chão que amo tanto!
No sangue das minhas veias,
sois a alma do meu canto.

Caminhos da minha Terra,
caminhos, quero-vos bem:
Pelos pés fostes pisados,
sagrados de minha Mãe.

Caminhos da minha terra,
à minha casa ides dar;
caminhos de terra alheia
muito custais a pisar.

Caminhos da minha Terra,
como eu amo o vosso chão!
Sombras de avós em vós andam:
que fantástica visão

Caminhos da minha Terra,
Como sempre me falais
dos meus tempos de criança
que foram para não mais!

Caminhos da minha Terra,
dais para a fonte do lugar
onde as moças à noitinha
água fresca vão buscar.

Caminhos da minha Terra,
ladeados por alminhas.
À espera das orações
De todos vós...e das minhas.

Caminhos da minha Terra,
nos céus a lua campeia,
pintando de prata fina
os montes da minha aldeia.

Caminhos da minha Terra,
pisei-vos de lado a lado,
quer de dia quer de noite,
quer com chuva ou sol doirado.

Caminhos da minha Terra,
minha terra e minha mãe,
quando um dia for pra Deus
Vós comigo ireis também.

Caminhos da minha Terra,
além naquela cozinha
sonha o avô com os netos
durante a noite velhinha

Caminhos da minha Terra,
caminhos vós sois a voz
de tantos que já partiram:
nossos pais , nossos avós.

Caminhos da minha Terra,
é lusco-fusco: trindades,
silencio, paz, oração,
hora de cisma e saudades.

Caminhos da minha terra,
caminhos sois meus irmãos!
Palmo a palmo vos conheço,
quais palmas das minhas mãos.

MADRIGAIS

OS CARACÓIS

Nas profundezas dos céus,
Há muitos luzentes sóis.
Mas nenhuns como os teus olhos,
menina dos caracóis.

Nos jardins há muitas flores:
Cravos, rosas, girassóis,
Mas não há, no mundo, alguma
Com tão belos caracóis.

As almas de aço ou de bronze
Dos temerários heróis
Ficariam fascinados,
Se vissem teus caracóis.

Alma ingénua e sonhadora,
que de castelos constróis,
só de veres, terno enlevo,
tão galante caracóis!

E vós, meus caros colegas,
ouvi, dizei-me depois:
Que impressão fazem na alma,
Tão brilhantes caracóis?

Já estou a ouvir a resposta
Que me ides dar, pois vós sois
Susceptíveis de prender-vos
Nos fios dos caracóis.

Contudo, eu hei-de fazer,
Como pra mim. Ora pois!
Hei-de ver se me não prendem
Esses lindos caracóis.

De noite a terra é envolvida
em prateados lençóis.
E o nosso olhar fica cego
Com tão belos caracóis.

Moinho à beira do rio,
Com que canseira tu móis!
Não canses, pois dás o pão
À dona dos caracóis.

Ò morte feia e medonha,
Que tantas vidas destróis,
Não cortes com tua foice
Tão brilhantes caracóis .

Há nos jardins, muitas flores
há no céu milhares de sóis;
há muitas mulheres formosas
mas stão belos caracóis...


AMOR CRUEL DESVENTURA

No meu caminho passou
uma rara formosura;
e então, minhalma pensou:
amor, cruel desventura

O seu rosto angelical,
todo cheio de ternura,
prendeu-me, em laço fatal:
-amor, cruel desventura.

Mas lá foi essa beleza
vinda dos céus, com brandura,
mas deixou minhalma acesa:
de amor - cruel desventura

Corra o tempo, muito embora,
o peito sente a amargura
da saudade dessa aurora:
amor, cruel desventura.


CANÇÕES DA MOCIDADE

Cantemos nossas canções
Com ardor e sentimento,
Pra na idade de velhice
Ser mais leve o sofrimento.

Cantemos com alma em flor,
as nossas lindas canções;
Deixemos bater bem nelas
estes nossos corações.

O recordar é viver,
Mas é viver pela saudade.
Cantemos, alto, cantemos
As canções da Mocidade!


DEFENIÇÕES

A mulher é um poema
de graça e fulgor sidério,
sempre a mesma eterna Esfinge
todo envolta de mistério.

Os olhos são para mim
o espelho do coração:
diziam sim, se alma gosta,
se não gosta, diziam não.

O não pra quem não tem esperança
num doce amor, que sonhou,
é qual punhal assassino
que todo um mundo matou.

O sim pra quem já não espera
ternas esperanças de amor,
é lágrima abençoada
sobre um deserto de dor.


DEFINIÇÕES

A mulher é um poema
de graça e fulgor sidério,
sempre a mesma eterna Esfinge
todo envolta de mistério.

Os olhos são para mim
o espelho do coração:
diziam sim, se alma gosta,
se não gosta, diziam não.

O não pra quem não tem esperança
num doce amor, que sonhou,
é qual punhal assassino
que todo um mundo matou.

O sim pra quem já não espera
ternas esperanças de amor,
é lágrima abençoada
sobre um deserto de dor.


O TEU NOME

Aninhas, que nome lindo!
Que nome lindo de Aninhas!
Claro como a luz infinda,
manso como as andorinhas!

Tem a candura do lírio;
tem a pureza da neve;
tem a piedade do círio
e é leve qual epuma leve.

Tem o perfume da rosa;
Tem da andorinha a meiguice.
A graça da mariposa,
De subtileza e ledice.

Tem a suave tristeza
dum lento cair do sol,
a sonhadora beleza
do cantar do rouxinol.

Tem poesia e tem graça;
diz ventura e claridade;
é um doce luar que passa,
que passa e deixa saudade.


O TEU VESTIDO

O teu vestido de chita,
aos ramos, que lindo era!
Tornar a ver-to vestido,
meu doce bem quem me dera!

Tu com ele eras um lírio,
de elegância e formosura,
a banhar estes meus olhos
de enlevos de desventura

Uma fada peregrina,
do longe país dos sonhos,
a abençoar este mundo
de crimes torvos, medonhos.

Eras um anjo descido
dos santos reinos de Deus,
pra afagar meu coração
que só vê os olhos teus.

Ó minha rosa engraçada,
com teu vestido de flores!
Sê sempre rosas sem espinhos
e ardente pira de amores!

O teu vestido de chita
aos ramos que lindo era!
Meu amor, com ele parecias
a risonha Primavera.

Quando me lembra o Domingo,
eu sinto, como ninguém,
saudade do teu vestido
que te ficava tão bem.


LEMBRANDO

Cai a noite sobre o mundo,
e o lindo sol que sorri
já não arde, mas em mim,
ardem saudades de ti.

Canta o vento mil endeixas
no pinhal, onde eu escrevi
estas saudades que o vento
que o vento leva por ti

Merencório passa o rio
Manso, como inda não vi.
Passam em mim, mil saudades,
Em grande rio por ti.


QUIMERA

De cantarinho
Lá vais à fonte,
Ledo amorzinho
Meu horizonte.
Teu passo leve,
Qual o da ave;.
Mal se percebe
É tão suave!
Vi os teus olhos
Cheios de luz.
São os abrolhos
Da minha cruz!
O corpo teu
Escultural,
É flor do céu,
Flor ideal.
O teu sorrir
ai, prende tanto!...
É sol a abrir
de graça e encanto.
És uma flor,
flor divinal;
do meu amor,
paixão fatal.
A tua fala,
doce e serena,
se outros regala
a mim dá pena.
Quando te vejo,
vejo a ilusão;
louco desejo
dum coração.
Não há querubim,
no céu infindo,
que tenha, assim,
falar tão lindo!
É tão suave,
ai, é tão brando;
chilreio de ave,
nos céus voando!
Quando te vi,
doce ilusão,
morreu por ti,
meu coração
Pobre coitado,
não te entenderam
ai, não te amaram,
e em cruz te ergueram!
Ó meu penar,
que dilacera!
Por querer amar
uma quimera!...


SAUDADE TRISTE

Saudade triste
é esta minha
a toda a hora
saudade triste!
Porque te vi,
anjo adorado,
se eu hei-de, agora,
chorar por ti?
Bem melhor fora
nunca te ver
nem conhecer
os teus encantos
e formosura,
pois se mudaram
e me inundaram
de tristes prantos
e desventura.
É erro grave,
sem remissão,
darmos, assim,
o coração.
Ser como a ave
que livre voa
nos céus, à toa:
grande ventura
prazer suave.
Tal felicidade,
tal liberdade
agora invejo
de ânsia ardente.
Pra que há-de a gente,
brasa e desejo,
sonhar um beijo
que a vida nega?
Não é melhor
não querer amor?
Deixar a alma,
serena e calma,
p´la vida fora?
É uma ilusão
(triste é dizê-lo)
querer amor;
que o coração,
que paixão sente,
em mar de dor
voga gemente.
Jamais eu quero
prender-me nele.
Que amor sincero
é raro haver,
cá neste mundo,
escuro imundo,
que tudo trai,
que tudo apaga,
como num ai.
Livre hei-de ser,
pois, como a água,
mansa, a correr
de frágua em frágua,
pro grande Mar,
a marulhar,
no leito seu,
sem descansar.
E de hoje em dia,
eu faço a jura,
firme segura,
de te esquecer.
Não quero ter,
dura mulher,
ante os meus olhos,
teu corpo belo,
gentil, singelo,
que me afogou,
num mar de abrolhos.


LAMENTO

Anda sombria a minhalma;
anda triste, como a lua,
pois ainda não recebi,
meu amor, resposta tua.

Não sei a que atribuir
o longo silêncio teu,
que cobre de inquietação,
este triste peito meu.

Se tu, meu amor, soubesses
a minha grande ansiedade,
com certeza respondias,
ao menos, por caridade.

Se soubesses, minha querida,
o que é estar longe de ti,
privado desse teu rosto
que ternamente sorri,

esta dor compreenderias
que tanto me faz sofrer,
e o desejo insatisfeito
de ir aí só pra te ver!

Quem só uma vez te viu
não pode esquecer-te mais;
tu és a mulher mais linda
que eu conheço entre as demais.

Esses teus olhos profundos,
que tanto olharam pra mim,
são fios que me prenderam
num amor que não tem fim.

Foram eles que ascenderam,
no meu triste coração,
a chama de um grande amor
e a flor de uma afeição.

Secar esta flor, agora,
que na minhalma nasceu,
seria tirar-me a vida,
vivendo em noite de breu.

Quem vive, agora, de esperança,
a apontar-me céus de luz,
não pode vê-la mudada
em duros paus de uma cruz.

Se tu não ouves o triste
que loucamente te creu,
pra que foi que lhe mostraste
uma esperança cor do céu?

Se tu, amor, não cumprias
aquilo que me disseste,
não falar, bem melhor fora,
nesse amor que prometeste.

Se te conheci apenas
com a triste condição
de mentires ao meu amor
o que hei-de eu fazer-lhe então?...

Sofrer, sofrer, um tormento
de amor sem retribuição
é o maior sofrimento,
que retalha um coração.

Amor sem termos um peito
que ao nosso amor corresponda,
é como viver sem alma,
é barco ao sabor da onda.

Hei-de, pois, viver, assim,
nesta funda soledade,
se esta voz tu não ouvires
-voz de tristeza e saudade-


Poema dos olhos verdes

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!
fecha os olhos que me perdes,
fecha os olhos devagar
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar,
se és sereia que nos perdes,
foge, foge devagar!...
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar,
nessa linda cor nos perdes
Ninguém tos pode fitar.
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes, cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar,
em desejos tu nos perdes,
desejos de tos beijar .
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!
Mar sem fundo que mos perdes,
onde eu queria navegar
Menina dos olhos verdes,
de olhos verdes cor do Mar!

Menina dos olhos verdes,
Cá ao vale de Santarém.
De tão longe, assim, nos perdes
Que poder teus olhos têm!...
Menina dos olhos verdes,
desse vale de Santarém.

Menina dos olhos verdes
Não olhes pra mim, meu bem!...
Se de longe, assim, me perdes,
Quem te vence aqui? Ninguém.
Menina dos olhos verdes,
Não olhes pra nós, meu bem!

Menina dos olhos verdes,
Em bruma tos vejo, além
E os do Garrett, inda perdes
Lá no vale de Santarém.
Menina dos olhos verdes,
Não olhes pra mais minguém.


COMO EU TE VEJO

Aquele olhar que, há dias me lançaste,
olhar furtivo, sim, mas penetrante
seria o brilho dum clarão radiante?
Seria a voz dum sonho que embalaste?

Aquele olhar que, há tempo, me deitaste
jamais o esquecerei. Perto ou distante
que vai de ti, por esse mundo adiante,
atrás de ti ó Dor, que me beijaste.

Eu sofro, agora, o mal duma incerteza,
que enchem de mágoa e de tristeza
os olhos meus que só te querem ver

eu vejo a graça dessa tua imagem,
nas tintas matinais desta paisagem
e na saudosa luz do entardecer.

1954


ALMA LOOUA!

Por, acaso fortuito, eu vi um dia
a mulher que em visões ainda aparece
aos olhos meus; aos quais, ela sorria,
como o dobrão do sol, quando amanhece.

Mas vê-la nunca mais. Desaparece
do plácido trilho que eu seguia.
E, desde, então, meu coração escurece,
numa noite de dor, triste e sombria.

Eu não verei jamais a criatura
de quem minha alma louca, anda à procura;
por quem louca de amor, em ânsias, chama?

Nunca mais! Nunca! Minha alma louca!
Nem lhe dirás, de coração na boca:
Enfim, enfim, eis a mulher que amo?

1937


AMOR

Amor é sentimento que nos traz
consolo e ansiedade ao coração.
É beijo de prazer, ninho de paz,
brisa que nos eleva à perfeição.

Manhã de Abril risonha, que nos faz
a vida mais suave. É ambição
que põe a alma em luta contumaz
e também em contínua inquietação.

Chama que põe o coração em brasa,
Primavera florindo; sonho e asa,
num êxtase entoando uma canção.

Caminho que ao céu leva e onde existe
a ventura suprema; ou -muito triste -
ao inferno, sem esperança e remissão!


AI, MEU AMOR

Ai, meu amor, ai que melancolia,
eu sinto ainda por me teres deixado!
Foste tu meu amor toda a alegria
dum pobre coração apaixonadao.

Onde esse sonho lindo e sublimado
que me fez exaltar a fantasia?
Desfez-se como fumo à ventania
deixando este meu peito desolado.

Nesse sonho subimos às alturas
Até onde pode ir o pensamento
dum romance de amor e de paixão.

Mas a fortuna má de assa escuras
o nosso sonho mata e nim momento:
silêncio e solidão! Só solidão.

Vila Meã, 1991