terça-feira, 15 de março de 2011

CANÇÕES

OS MEUS OLHOS MONGES

Ó meus olhos monges,
desertos , perdidos,
dizei-me os sentidos
dos saudosos longes.

Ó menino longe,
que eu fui e não sou!
Diz-me pra onde vou
no meu sonho monge.

Nesta dor sem fim,
que me crucifica,
saudade de mim,
eis o que me fica.

Pra onde vou eu?
Ó saudade, diz-mo.
O que eu fui morreu,
num escuro abismo?

O que é o Passado?
O que é o Presente?
Sonho mal sonhado
a empecer a gente?

Ó saudade minha,
Ó sagrada asa,
que o meu peito abrasa,
divina luzinha.

Dos meus olhos monges,
tão tristes, cativos
de desejos vivos,
de saudosos longes.

Livra-me daqui,
deste meu deserto,
tão escuro e incerto,
como jamais vi.

Eu ando na treva,
mas anseio a luz;
e pra luz me eleva,
oh saudade-cruz.

Ó meu ser - saudade,
ouve esta veemência:
que é dessa inocência
da menina idade?

1950


CHORO UMA LEMBRANÇA

Choro uma lembrança;
arde um bem querer.
Floresce uma esperança
dum querer vir a ser.

Nada vale a pena
desta nossa esperança,
pois jamais se alcança,
o que queremos ter.

A gente é só isto:
um querer no futuro.
Um pouco de cisco
que cai no monturo.

1950


LUAR DE JANEIRO

Luar de Janeiro,
que entra pela janela,
oh que luz tão bela!
Que rir tão fagueiro!

No alto Marão,
nesta noite linda,
que brancura infinda,
que estranho clarão.

E meditabundo,
comungo a Tristeza,
ao ver a beleza
desse estranho mundo.

Um sorrir etéreo
pela noite esvoaça.
Que divina graça,
que flor de mistério.

No clarão da lua,
a benzer a terra,
minha alma flutua;
na distância erra.

Formoso luar
da cor de marfim,
anda-me buscar
pra longe de mim.

Eu beijo a pureza
desse estranho mundo.
Comungo a Tristeza
do meditabundo.

1950


DOM ENCOBERTO

Oh Dom Encoberto!
Oh Rei da Saudade!
Rasga este Deserto
da lusa ansiedade.

Numa manhã de oiro,
de sonho a sorrir,
pra nosso tesoiro,
Tu há-de surgir.

Vives na Distância.
E de nós bem perto.
Oh D. Encoberto,
É tua esta ânsia.

Alcácer - Quibir!
Oh tarde fatal!
Foge! Portugal,
contigo, quer vir.

Com o peito em chama,
arromba a prisão;
foge da moirama,
Dom Sebastião.

Numa tremulina,
de água e emoção,
rasgue-se a neblina
pra ressurreição.

Oh Dom Encoberto,
dessa lusa mágoa,
molha este Deserto
Temos sede de água.

Portugal quer ser
O que foi outrora
Deus, dá-nos a Aurora,
desse amanhecer!

Foguetes mil
rasgam o ar;
que luz gentil
nos vem beijar.

Senhor da Graça
e do perdão!
Ouve a quem passa,
o coração.
1950


PÁSCOA

Dia de Fé.
Ressurreição.
Ai quem nao vê
a Salvação?

Repicam sinos,
mal rompe o dia.
Seus sons tão finos,
São de alegria.

Que festa linda,
sem ter rival,
na luz infinda
de Portugal.

A Terra inteira
é uma canção;
uma fogueira
em vibração.

Senhor Jesus
da Lusitânia,
que a tua luz
apague a insânia.

Que o vil rancor,
ódio ou vingança,
por teu Amor
sejam esperança.

Senhor Jesus!
Filho de Deus!
Na tua Cruz,
Dá-nos os Céus.


MÃOS DE TERRA

(Nota: deu nome ao Livro publicado em 1998)

Eu não agarro as estrelas
que as minhas mãos são de terra.
Meus olhos não podem vê-las
que a minha alma anda em guerra.
Eu não agarro as estrelas
que as minhas mãos são de terra.

Pra que servem as estrelas
se eu lhes não posso chegar?
Loucura olhar para elas.
Mais vale os olhos cerrar.
Para que servem as estrelas,
se eu lhes não posso tocar?

Mas o homem pode tudo
-a ciência assim o diz -
mas no final fica mudo
e, talvez, mais infeliz,
possa o homem embora tudo,
que a ciência assim o diz.

Sendo que a alma anda em guerra,
jamais alcanço as estrelas,
nos céus luzindo tão belas,
que as minhas mãos são de terra.

1958


LETRAS DE FOGO

Por sob o tecto
do meu telhado,
na minha cama
bem abafado,
penso e medito
nem durmo bem,
lembrando tantos
que nada têm.
Quantos com fome,
quantos com frio,
num longo Inverno
duro e sombrio...
Ah mundo louco,
como vais mal...
Onde a Justiça?
O Bem Social?
Oh potentados,
de alma maciça!
Contra vós grita
a voz da justiça.
Vai realizar-se
o que está escrito:
Letras de fogo.
Terrível grito.

1958


BALANÇA

Eu vivo o desejo
de criar um sonho
formoso, risonho,
doce como um beijo.
Mas estou cansado,
já desesperei,
de ver o sonhado
que sempre sonhei.
Não custa sonhar
o que queremos ter:
uma ave a voar
pode-se prender?
Trazer pro real
o que se imagina,
a experiência ensina
ser coisa fatal.

Vivamos apenas
o que pode ser;
o resto são penas:
sorrir e sofrer.
E crer e não crer,
eis uma balança
em que a gente dança
desde o conhecer.
Esta circunferência,
grande mas finita,
é a contingência
que nos delimita.


SALTEMOS O MURO
(a Maria Lamas)

Saltemos o muro,
sem medo ao Papão.
Olhando o futuro
que é libertação.

Olhar o futuro,
que à luz nos eleva,
é galgar o Muro,
é vencer a treva.

Pra que o mundo seja
um mundo seguro;
para que a luz se veja,
pinchemos o Muro.

Nota: estas quadras foram escriras em homenagem a Maria Lamas, mas a Censura Prévia proibiu a sua publicação , em 1973


RAMPA DA VIDA

A rampa da vida
eu vou a escalar!
Meu Deus que subida
...mas tenho que andar.

Eu lanço os meus olhos
num triste sorrir;
e em duros escolhos,
meu Deus, vou cair.

Do meu sonho acordo!
Oh meus pesadelos.
E então me recordo
de tantos castelos.

Castelos que foram
na fúria dos ventos.
E que hoje se choram
em tristes lamentos.

Na rampa da vida
já vou a descer.
Depois da subida
que resta? Morrer.

Viver! Que mentira!
Morrer! Que verdade!
Nesta realidade,
a gente delira.

Meu Deus , que tortura!
Meu Deus, que desgraça!
A luz que fulgura
para mim é baça.

Num pouco de esterco
serei convertido.
Se a alma não perco,
já não sou vencido.

Morrer! Mas que importa...
É lei: obedeço.
Se o Sol não mereço
bato a outra porta.

1950


SONHO

Sonhei-me numa ilha flutuante
matizada de mágica verdura;
de arquitectura bela e deslumbrante,
de esplendorosos sóis da luz mais pura.

Mulheres de uma beleza fascinante
nesse jardim ideal punham ventura.
Então, meu coração, sentiu-se amante
de tanta deusa linda, ó vã ventura.

Cingindo brancos véus, essas visões,
passam junto de mim, quais procissões
de querubins e virgens vaporosas.

Mas nisto os olhos abro e então deparo:
um mundo de paixões, de ódio ignaro,
de mágoas e tristezas dolorosas.

1938

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